Inácio Neves Filho
Promotor de Justiça do MPDFT
Goiano legítimo ama Goiás e o goiás, jamais o flamengo. Estuda em Goiás, não no Goiás; quando viaja, retorna pra Goiás e não pro Goiás; casa em Goiás e, quando morre, é sepultado em Goiás, não no Goiás.
O trocadilho acima é fruto de minha indignação pessoal com aqueles que insistem em utilizar a preposição “de” mais o artigo "o" (do) antes da palavra Goiás, quando se está referindo ao nosso querido Estado.
Ora, não sou professor de português, mas, além de amante da retórica e de uma boa gramática, ouso valorizar a audição naquilo que esta função tem de mais nobre: o soar agradável de uma palavra ou frase bem pronunciada.
Moro em Brasília há 14 anos e tenho relutado em não dar mal resposta aos que me perguntam se sou do Goiás. Um dias desses, assistindo ao programa DF TV, vi quando, numa matéria de campo, ao falar sobre a questão do lixão existente na divisa de Goiás com o Distrito Federal, a repórter, toda cheia de razão, afirmava que a responsabilidade era dos políticos do Goiás. Não vi a hora que liguei para a redação do telejornal e registrei o protesto quanto à desnecessidade, naquele caso, da utilização do artigo definido masculino singular. De outra feita, ouvindo uma rádio local em Brasília, deparei com um locutor que mandava um abraço pra dona Antonieta, residente em Santo Antonio do Desberto, no interior do Goiás.
De minha parte, encontrei uma solução prática de repassar aos candangos a mensagem do que prefiro ouvir. Quando me perguntam se sou "do Goiás", respondo incontinenti: "Sou do Goiás, com muito orgulho. Quem é de Goiás, tem razões de sobra pra torcer por esse grande time". Alguns poucos não entendem a resposta, mas, a maioria, raciocina com certa facilidade, e logo percebem meu singelo recado e, assim, descobrem que sou de Goiás e não do Goiás.
E, por falar do Goiás, do time, claro, o momento é mais do que oportuno para um relato breve de como tornei-me torcedor do Goiás. Quando eu era adolescente, morava em Crixás e, na época, não tinha televisão na cidade - só pegava rádio mesmo. Magaly, minha irmã mais velha, foi morar em Goiânia pra estudar e, nas férias, voltava, toda empolgada, querendo nos ensinar regras da cidade grande. Por exemplo, foi dela que ouvi que em Goiânia havia "sinaleiro", sendo que 'vermelho' faziam os carros pararem e 'verde', o contrário. Com ela, aprendi que atravessar correndo a faixa de pedestres dá a conotação de que o transeunte é pessoa do interior.
Certa vez, ao me perguntar pra qual time eu torcia em Goiás, sai pela tangente: “quais os times que existem?” Ela me respondeu: Goiás e Vila Nova. Respondi no taco: "torço pro Goiás". É que lembrei-me de um tio (Tidão) que, na época, já era doente pelo Goiás. E, assim, começou meu namoro com o meu time do coração. Já são mais de 30 anos de relacionamento, não muito íntimo, mas o suficiente pra eu não me desagarrar do verdão. Minha família (pais, irmãos e sobrinhos) é numerosa e, - fora o Tidão - entendem de futebol igual o diabo entende de missa. E, foi nesse ambiente que fui criado. Então, embora torcedor convicto, nunca fui de ir a estádio e só me envolvo mais com o futebol quando o Goiás tá num bom momento, como é o caso atual. Esse ano, de tantos meus amigos falaram no tal "gordinho do Goiás", me vi na obrigação de conhecer melhor o time revelação do campeonato brasileiro de 2013.
Até o começo do ano, sabia apenas que Enderson Moreira é o técnico; que Renan entrou no lugar do goleiro Harley e que o "gordinho" chama-se Walter, veste a camisa 18 e é a sensação do campeonato. E só. E mais nada. Semana passada fui até à loja do Goiás e comprei a camisa oficial do time e, em Brasília, usei-a quando assistia, pela TV, o primeiro jogo contra o flamengo pela semifinal da copa do Brasil. Antes de iniciar o jogo, perguntei aos meus amigos (em torno de 20 pessoas) quem ali torcia para o Goiás. Responderam-me: "só tú". Fiquei duplamente indignado, e não é preciso ser inteligente pra perceber o porquê de minha revolta. Pensei: "já não basta a expressão "do Goiás" e agora ainda vem com esse "tu". Sensato, elevei os meus olhos aos céus e supliquei: "Pai, perdoa-os, eles não sabem o que falam". Durante o jogo, ficaram me fazendo perguntas difíceis, do tipo, quantos títulos tem o Goiás; quantas vezes disputou a libertadores; e, o pior: o nome dos jogadores. Pra completar, o goiás perdeu pro flamengo em pleno serra dourada, quando então me recolhi e, entrando num site de esportes, achei o elenco do Goiás, quando então passei a conhecer cada um dos jogadores do time. No silêncio da derrota, confortei-me, prometendo pra mim mesmo: "se Deus quiser vou decorar o nome de cada um dos jogadores do Goiás". E, não é que eu aprendi?
Vou profetizar aqui: amanhã, o goiás vai vencer o flamengo, de virada, em pleno Maracanã e, assim, disputar a final da copa do Brasil. Mais do que isso, encostado no G4, vai tomar a vaga do Botafogo e, com isso, garantir definitivamente uma vaga na copa libertadores.
Percebe o leitor que, em poucos dias, familiarizei-me com o futebol e, agora, posso dizer que, definitivamente, sou "do goiás". O grande trunfo é que, agora, não preciso mais me disfarçar quando me perguntarem algo sobre o time: todas as respostas estarão na ponta da língua.
E, para aqueles que, eventualmente, ainda insistirem em perguntar-me se sou "do Goiás", vou passar-lhes um pito. Responderei: "assim como eu passei a conhecer o verdão, procurem conhecer o dialeto correto, inclusive, para, se for o caso, me corrigirem, se eu estiver enganado. É que nunca vi ninguém perguntar se a outra pessoa é do São Paulo, do Minas, ou do Bahia. Quem sabe o leitor assíduo - amante do bom vernáculo - possa contribuir para o desate do imbróglio. Ficarei grato pela contribuição, afinal, quando o assunto é ortografia e comunicação verbal, nada é absoluto, vale mais a mensagem transmitida que o rigor do português. Mais do que isso: talvez minha indignação não passa de auto-ignorância e preguiça mental no sentido de estudar com afinco o tema e, assim, livrar-se do desnecessário sofrimento. Pela sua atenção, muito obrigado. E, dá-lhe Goiás.
Diário da Manhã - 5/11/2013