Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT
Grandes acontecimentos ou eventos complexos costumam ser sintetizados em um sinônimo fácil: um objeto, um slogan, uma pessoa, qualquer coisa que diga rápida ou automaticamente aquilo que se quer dizer. O vulgo chama isso de “símbolo”, mas a relação simbólica é marcada pela nota da total ou parcial arbitrariedade entre significado e significante – ou seja, de certa flexibilidade no tempo e defasagem no espaço –, ao contrário do ícone e do índice, que, respectivamente, apontam semelhança (um retrato) ou fazem associação (como fumaça e fogo).
Foi muito justa a luta pela derrubada do apartheid. Os efeitos dessa aberração opressiva – todos os regimes opressivos precisam ser eliminados, especialmente os totalitários –, serão sentidos pelos sul-africanos pelas próximas décadas, talvez séculos. Mandela virou o “símbolo” disso, de maneira simpática, porque era alguém de carne e osso (poderia ser tocado, fotografado, dar autógrafos), tinha um sorriso sério mas avoengo, jeitoso mas com credibilidade. Não apareceu símbolo melhor, e Mandela era bom o suficiente.
Qualquer crítica a Mandela surte efeito em dois níveis distintos: à guisa de questionamento da causa em si e do ser humano que ele realmente foi. Um grande líder precisa do privilégio de bons dotes pessoais, de preferência morais e intelectuais, e de ter feito atos extraordinários (e não apenas surfado em frases de efeito, quase sempre banais) que obsedassem pequenas falhas inevitáveis, ainda mais de juventude. Mas se alguém escandir detalhes biográficos incômodos de Mandela é tratado incontinenti como racista e saudosista do apartheid.
O mesmo se aplica a vários outros “colegas” seus, como Galileu, Gandhi, Che Guevara, Obama. No tribunal das pequenas causas históricas, temos John Lennon, Perón e Dieguito Maradona.
Jornal de Brasília - 16/12/2013