Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT
No meu serviço, há uma garota chamada Soraia (nome fictício). Ela é daquelas pessoas que acreditam em tudo que você fala. Se você disser que sua vizinha colocou um ovo ontem à noite, ou que viu um disco voador, a Soraia acredita.
Não acho a Soraia burra ou ingênua, mas que ela tem um coração grande, talvez grande demais, talvez um pouco de malícia lhe caísse bem – ou pelo menos a percepção de que alguém está brincando, e que piadas foram feitas para rir, não para informar. Eu não acho a Soraia boba, mas outras pessoas podem achar, e tentar tirar proveito dela.
O extremo oposto da Soraia é o de alguém que não acredita em nada, mesmo diante das evidências mais exuberantes. Ou então quando a pessoa se fecha em uma convicção sem base, somente porque decidiu dessa maneira, pela força de seus desejos. Pior ainda: os futriqueiros inventam histórias e querem que os outros acreditem nelas. Os futriqueiros nunca dão provas, não se preocupam com isso. Se forem desmascarados, inventam uma segunda mentira para acobertar a primeira e assim por diante. Se o problema da Soraia é a excessiva generosidade, aqui o problema é o contrário. No meu serviço existem anti-Soraias.
O conhecimento acresce ao patrimônio individual a todo o instante, de todas as maneiras possíveis, por via direta ou por outras pessoas, inclusive as mortas há muito tempo (ou seja, pelos livros ou testemunhos involuntários). Não temos necessidade nem capacidade de guardar tudo o que nos chega. Fazemos um catálogo mental, que vai desde o não prestar a mínima atenção àquilo que não desperta interesse – via de regra donas-de-casa não ouvirão uma palavra sobre detalhes de um gol numa partida de futebol, e seus maridos farão o mesmo sobre o último capítulo da novela – até aquilo que tentamos esquecer e não conseguimos.
Jornal de Brasília - 30/12/2013