Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT
O filósofo espanhol Ortega y Gasset ensina que “todo vocábulo nos mostra uma coisa, isto quer dizer que no-la diz, no-la mostra já interpretada, qualificada”.
À minha frente, onde me encontro no exato momento em que escrevo estas mal traçadas, existe um pé de carambola. A tal coisa posso me referir como acabei de fazer ou, se preferir, caramboleira. Se você não souber do que estou falando, posso explicar que carambola é uma fruta assim assado e caramboleira é a árvore da qual ela provém. Essa explicação é boa, mas não tão boa quanto se você já conhecesse a carambola e, mais ainda, a caramboleira (às vezes a pessoa conhece a fruta, do mercado, mas nunca viu a árvore-mãe).
Posso, também, valer-me de opções alternativas, como “averrhoa carambola”, ou senão “planta” ou “vegetal”. Nenhuma dessas designações está errada. A caramboleira é efetivamente um vegetal e uma planta; o problema aqui é a imprecisão, pois nem todos os vegetais são plantas e nem todas as plantas são caramboleiras. O problema com “averrhoa carambola” é, ao contrário, a precisão excessiva, já que se trata de seu nome científico, ignorado por quase todas as pessoas. Seria inadequado ou pedante utilizar tal expressão em uma conversa amistosa ou para a vendedora da loja de produtos agrícolas.
Tudo se complica imensamente quando as coisas são bem mais complexas do que uma simples e perfeitinha caramboleira. Por exemplo, “justiça”. Se eu disser “justiça”, você terá uma noção sombria do meu significado, ou um único vocábulo já é por si só uma teoria? É melhor escrever quatro grossos tomos, ou não é necessário se explicar absolutamente nada? Tudo depende de algumas premissas: a aceitação ou a recusa da “seriedade instável” dos conceitos, da percepção da ironia, do preconceito da interpretação.
Jornal de Brasília - 6/1/2014