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Ivaldo Lemos Junior 
Promotor de Justiça do MPDFT

Uma das coisas que mais gosto na leitura de Machado de Assis – a primeira é o fato de ter sido ele um psicólogo poderosíssimo – é poder verificar como as coisas se transformam e como se conservam.

Machado ambientou seus romances nas mesmas cidade e época em que viveu. É notório que muitos dos seus costumes já não existem mais, e é isso mesmo o que há de mais atraente. As maneiras do vestir, os bigodes à Napoleão III, a decoração das casas, a raridade dos retratos, os bailes de polca e valsa, os voltaretes, as frioleiras, a vergonha feminina de não saber tocar piano ou tocar mal. É inevitável o uso do dicionário. Não é fácil intuir o sentido de uma palavra que se refere a uma coisa inexistente no léxico do leitor.

As conversas entre as pessoas eram bem mais cerimoniosas; muitas vezes amigos se chamam de “senhor” entre si. É natural que as dificuldades de comunicação moldassem isso. Ora, não havia telefone nem email. Se você precisasse falar com alguém, tinha que escrever um bilhete e mandar um escravo (“moleque”) entregá-lo ao destinatário. Este decidia se aquele deveria aguardar uma resposta. Esse tipo de ritual urdia um certo recato no conteúdo e nos modos: os rodeios, as mesuras, os rapapés.

É nesse contexto de velharia que surgem hábitos renovados e expressões que ainda estão vivas. Por exemplo, o sujeito usar aquilo que se chamava de “carro” – uma caleça inteira ou meia, ou uma vitória (seja lá o que tudo isso for) – e o que nós chamamos assim hoje em dia, são detalhes que importarão diferença mas, na essência, são todos meios de transporte.

Romances antigos cuja compreensão do enredo seja demasiado trabalhosa, com o recurso quase que incessante do dicionário, acaba por revelar o estranhamento de uma língua que foi morrendo mais do que se transformando.

Jornal de Brasília - 13/1/2014



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