Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT
David Aames, personagem de Tom Cruise em “Vanilla Sky”, está dirigindo por Nova Iorque, quando percebe algo de intrigante: as ruas estão totalmente desertas. Quando passa pela Times Square – praça que, apesar de não ter nenhum atrativo especial, está sempre cheia de gente --, ele entra em colapso. Desce de sua Ferrari 250 GTO e corre em desespero, imaginando que o mundo acabou, e só sobrou ele. O que fazer?
David encarnava o ideal de muitos homens. Jovem, saudável, solteiro, bonito, rico (herdou do pai um império, e fingia que trabalhava), de bem com a vida. Além do belíssimo carro, morava num apartamento para não se botar defeito. Tinha um amigão do peito e duas namoradas, uma loira e uma morena. Ele gostava da morena e as duas gostavam dele. Tudo era tão delicioso que, quando teve a chance de gozar a vida que bem quisesse, David não ousou mudar nada, e continuou levando na mentira o que então era tudo verdade.
Porém, se não houvesse mais ninguém no mundo, ele não poderia ser quem era, nem de mentira. Só era bonito porque, afinal, as pessoas o achavam bonito. Só tinha uma Ferrari porque outras pessoas trabalharam o suficiente para que ele tivesse condições para tanto. David perdeu sua autossuficência quando perdeu sua sanidade mental.
Isso não tem nada de exclusivo. Lévi-Strauss dizia que não se bebe sozinho um vinho velho ou um licor raro, não ao menos sem “um vago sentimento de culpa”. Mulher nenhuma vai ao salão fazer escova e maquilagem -- e depois volta para casa para dormir.
P.S. Na sequência de artigos, falarei alternadamente sobre Kepler (incluindo Tycho) e O.J. Simpson. Pararei quando conseguir fazer os três se encontrarem, o que meu computador ainda não registrou. Vamos ver o que vai acontecer.
Jornal de Brasília - 3/3/2014