Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT
A ciência conquistou certos atributos – objetividade, certeza, confiabilidade, universalidade – que a erigiu como uma das mais excelsas atividades humanas, se não a mais. Uma das razões disso é que só são apresentadas ao mundo suas glórias. Seus fracassos, como pesquisas insuficientes ou inconsistentes (por vários motivos, inclusive involuntários), conclusões precipitadas, inadequadas ou simplesmente erradas, não costumam ser exibidas em congressos e livros, e ficam restritas à decepção, ira dos financiadores, escárnio dos rivais. Mais do que isso: mesmo as glórias muitas vezes não duram para sempre, e fazem o nome de uma pessoa e seus seguidores por algum tempo, para depois cairem no esquecimento ou no ridículo.
Um exemplo disso vem do século XVI, com Nicholas Reimarus Ursus, conhecido como Urso, que fora criador de porcos na juventude e um dia conseguiu o posto de matemático imperial.
Quando publicou seu “Mysterium Cosmographicum”, Johannes Kepler enviou a Urso um exemplar, fazendo-lhe os maiores elogios, chamando-o de o maior matemático vivo. Urso recebeu a carta, mas não respondeu. Quando lançou seu livro seguinte, roubando deslavadamente a ideia de Tycho Brahe sobre o sistema solar, usou a carta de Kepler como uma espécie de aval de “sua” obra.
Mas o mais interessante dessa história não é a mesquinharia de Urso ou a ingenuidade de Kepler. O mais interessante é que o modelo planetário de Tycho era de um equívoco absurdo. Ele tentou conciliar as concepções ptolomaica (geocêntrica) e copernicana (heliocêntrica), e afirmou que a Terra gira em torno do Sol; os demais planetas giram em torno da Terra, não do Sol. Hoje, se você falar isso para uma criança, ela vai cair na gargalhada. Mas Tycho foi o mais conceituado astrônomo de sua época, em todo o mundo.
Jornal de Brasília - 17/3/2014