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Ivaldo Lemos Junior 
Promotor de Justiça do MPDFT

Um cientista mau caráter pode criar alguma coisa, por exemplo, uma vacina, que traga grandes benefícios para a humanidade? Sem dúvida que sim. Se a vacina for realmente eficiente, e conseguir evitar ou curar doenças, ela não deixará de ser usada só porque seu inventor – na verdade, seu principal inventor, pois essas coisas dependem de equipes com vários profissionais – tem um temperamento abominável, ou é vaidoso ou mesquinho.  

No reino da humanidade, existem pessoas, processos e produtos. Esses três fatores são relativamente independentes entre si. Ou seja, não são totalmente isolados nem totalmente imbricados. No exemplo dado, o problema da pessoa (sua má índole) não afeta a solução do produto (a vacina). O que pode acontecer é uma falha no processo: ninguém mais suportar trabalhar com o cientista, e a vacina não chegar a ser desenvolvida por completo. Talvez as pesquisas sejam retomadas por outra pessoa, ou por outras equipes em outros lugares, em outras épocas; essas coisas fazem parte da imprevisibilidade da vida.

Um exemplo interessante é Beethoven. Aqui, chama atenção o descompasso entre processo e produto. O produto foi sua música genial. Quem escuta “Sonata ao Luar” ou as 5ª ou 9ª sinfonias, entra em um mundo limpo, uma dimensão organizada e sem conflitos. Quem diria que essas obras saíram de um apartamento fétido e gelado, das mãos de alguém que chegou a ser preso, confundido com mendigo.
 
Quem cria precisa de tempo, dinheiro e tranquilidade, mas às vezes a falta de tudo isso não impede a realização do gênio. Johannes Kepler fez o que fez apesar de seus muitos transtornos pessoais: problemas de saúde, dificuldades financeiras, mortes sucessivas de filhos, sofrimento da mãe, acusada e condenada por bruxaria, e conflitos religiosos numa época delicadíssima.

Jornal de Brasília - 7/4/2014

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