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Fausto Rodrigues de Lima
Promotor de Justiça do MPDFT

Por ter estuprado e enterrado viva uma mulher nos Estados Unidos, Clayton Lockett foi condenado à pena de morte. A execução ocorreu há poucos dias mediante injeção letal, método inventado para “humanizar” a pena capital. Clayton agonizou por mais de 30 minutos. Os sedativos falharam, fazendo-o sentir dores dilacerantes. O presidente Obama, embora concorde com a pena de morte, cobrou mais “humanidade” nas execuções.

Há poucas semanas, outro condenado, Michael Lee, em meio à agonia da injeção letal, gritou: “Meu corpo está queimando!” Michael sentiu a mesma dor de muitos brasileiros que, sem cometer crimes, são assassinados com perversidade no meio urbano e rural. Ao contrário do que ocorre nos EUA, porém, os condenados pela matança cumprem penas pífias em comparação ao ato cometido. Alguns ainda postulam cargos para exercer inclusive poder de polícia para controlar o cidadão, situação que tem gerado amplo debate nos tribunais.

Para enfrentar a questão, é preciso fugir do “clamor popular”, que não é bom juiz. Parte da população americana comemorou, inclusive nas redes sociais, o sofrimento de Clayton. No Brasil, há quem sustente que os criminosos cruéis devam sofrer punição corporal. Se depender dos agressores de uma mulher do Guarujá, linchada semana passada após boatos de envolvimento em rituais satânicos, não faltariam executores. A prática é antiga. Em 1692, nos EUA (então colônia britânica), algumas adolescentes acusaram pessoas, a maioria mulheres, de bruxaria. A histeria levou à execução de 20 moradores de Salem, um deles colocado sob pedras para agonizar dias seguidos.

A solução olho por olho é medieval, assim como a pena de morte. Mandar agentes do Estado eliminar cidadãos, ou torturá-los até a morte é típico de ditaduras. Por isso, a Constituição brasileira a proíbe, assim como na União Europeia. Em outro extremo, porém, as leis brasileiras têm sido brandas na repressão aos crimes mais graves, causando insegurança e incentivando a violência. Permitir que pessoas de 15 a 17 anos cometam certos crimes sem resposta efetiva é deboche inaceitável numa sociedade que se diz democrática.

Para condenados adultos, a resposta penal também tem sido insatisfatória. A pena mínima de 12 anos (geralmente a definitiva) prevista para os assassinatos cruéis, por exemplo, está aquém da gravidade do ato — e o preso nem sequer cumprirá esse tempo. É que a lei permite a progressão de regime após cumprimento de 2/5 (réu primário) ou 3/5 (réu reincidente) da pena nos crimes hediondos. Assim, o condenado voltará ao convívio social em pouco mais de dois (estupro), três (sequestro) ou quatro (homicídio) anos.

Ora, é razoável que condenados por crimes graves ocorridos há 10, 15 ou 20 anos ainda cumprissem pena em regime fechado ou, na melhor das hipóteses, em semiaberto. No Brasil, ao contrário, discute-se se podem virar policiais, juízes e promotores, inversão da lógica penal num dos países em que mais se mata no mundo. Lembre-se que até a Suécia — que fechou muitas prisões para focar na reinserção social do condenado —, aplica prisão perpétua para crimes graves. Se não for considerado perigoso, o detento pode conseguir indulto, mas fica atrás das grades por cerca de 16 anos e quatro meses.

Pois bem, a questão ora posta aos tribunais merece amplo debate, inclusive no Congresso Nacional. O condenado que cumpriu pena na forma prevista na lei tem o direito de assumir cargo público? Em caso positivo, inclui todos os cargos e independe da natureza do crime? É legítimo o traficante, o estuprador ou o sequestrador investigarem, acusarem e julgarem o cidadão?

Há concursos que condicionam a participação do candidato à análise da vida pregressa. A Justiça tem admitido que comportamentos imorais, mesmo quando não constituem crimes, podem excluir candidato, ou seja, não é preciso uma condenação criminal (acórdão 783634, TJDF). Outros entendem que a simples existência de inquéritos permite a posse no cargo.

Frise-se que, em nome da moralidade administrativa, a legislação busca excluir até os servidores da ativa, pois, segundo o Código Penal, a perda do cargo ou mandato eletivo é consequência lógica da condenação superior a quatro anos de prisão. Convenhamos que a pena não precisa ser perpétua, mas, como na Suécia, deve corresponder à gravidade do crime. Se avançarmos na questão, a violência poderá diminuir e os linchamentos poderão fazer parte apenas da história, de Salem ou do Guarujá.

Correio Braziliense - 15/5/2014

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