Inácio Neves Filho
Promotor de Justiça do MPDFT
Nos dias 30 e 31 de maio últimos, ocorreu em Brasília o II Encontro do Colégio de Procuradores e Promotores de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios - MPDFT, para a apresentação e discussão do projeto "REPENSAR - Repensando o Ministério Público como agente de transformação social".
A iniciativa, inédita no país, tem por objetivo discutir grandes temas de interesse da coletividade com vistas à uma maior aproximação do ministério público com a sociedade. Presentes 250 membros, entre promotores e procuradores de justiça, o encontro discutiu temas como o relacionamento externo do ministério público com órgãos estratégicos, como o poder executivo, o legislativo, o judiciário e os demais órgãos do sistema de justiça, como a defensoria pública, a OAB e as polícias civil e militar; bem como com os órgãos de controle, como o CNMP, CGU e tribunais de contas.
Organizado pela Assessoria de Políticas Institucionais do MPDFT, o evento teve a participação de Oscar Motomura, principal executivo e facilitador sênior dos programas de atualização de líderes da Amana-Key - empresa de consultoria e educação executiva especializada em inovações radicais nas áreas de gestão, estratégia e liderança de organizações complexas.
O "Repensar" pretende provocar reflexões a respeito do futuro do MPDFT, do papel de seus membros na busca de maior eficiência e produtividade e das ações necessárias ao fortalecimento da instituição. Por buscar excelência na coerência entre identidade (propósito, visão, princípios) e tudo o que o ministério público deve fazer em seu dia a dia, foi que o MPDFT optou pela parceria com a Amana-key. Executivo multidisciplinar, Motomura transita bem por diferentes campos da gestão e alta administração e tem um expertise único na área humana, especialmente em mediação de conflitos e negociações complexas, projetos de integração cultural e gestão de mudanças.
Enquete realizada anteriormente ao evento entre todos os membros do MPDFT, após análise do conteúdo registrado, nortearam os temas que obtiveram maior enfoque, propiciando ampla discussão pelos grupos de trabalho, divididos que foram em trinta mesas redondas. O ponto de partida teve como pressuposto a constatação de que o ministério público foi criado para defender os direitos da sociedade e que essa missão vem sendo valorizada pela população. No entanto, essa proximidade pode e deve melhorar para que a missão do ministério público seja cumprida de forma cada vez mais ampla e evoluída. Neste sentido, discutiu-se como o ministério público pode estar cada vez mais próximo à sociedade e identificar de forma mais profunda e refinada os seus anseios e necessidades; além de como atender tais anseios de forma cada vez mais eficaz. Nesta mesma linha, discutiu-se como dar maior transparência e publicidade às ações e atividades do ministério público de forma que a sociedade se sinta mais próxima e bem atendida.
No aspecto do relacionamento externo, a discussão partiu do pressuposto de que é preciso que as organizações, entidades públicas e sociedade tenham a consciência de que um grupo sozinho não é capaz de atender a todas as demandas para garantir os direitos do cidadão. É a união das diferentes competências públicas que poderão concretizar trabalhos que interfiram diretamente na realidade e na qualidade de vida do cidadão. As redes devem atuar com um sistema capaz de organizar pessoas e instituições, de forma igualitária e democrática, em torno de um objetivo comum. Sobre este tema, dominaram o encontro perguntas sobre "como" o ministério público pode ter maior aproximação e diálogo com o poder executivo na formulação de políticas públicas, e "como" isso pode e deve ocorrer em relação aos órgãos do sistema de justiça e de controle.
Quanto à atuação judicial (reativa) e extrajudicial (proativa) do ministério público, afloraram temas sobre a adequação das promotorias de justiça judiciais e extrajudiciais à atual estrutura do MPDFT e de como aprimorar a atuação de tais promotorias.
Outro tema que ganhou destaque no encontro foi a atuação conjunta de promotores e a independência funcional de seus membros. Princípio mais importante da instituição, a independência funcional preconiza que os membros do ministério público, no desempenho de suas atividades, não estão subordinados a nenhum órgão ou poder, mas somente à sua consciência, devendo sempre fundamentar suas atuações processuais (CF art. 129, VIII). Ocorre que, muitas vezes, a prática da independência funcional dificulta o diálogo interno e a atuação da instituição, que deve ser exercida de forma uniforme, integrada, coordenada, sinérgica e potencializada. Neste debate, preponderou-se a visão de que, ainda que haja pensamentos divergentes entre os membros, a comunicação interna e o nível de diálogo devem ser aprimorados com vistas à evolução contínua e a unidade do ministério público. Convergiu o debate para uma reflexão sobre a essência do princípio da independência funcional com ênfase à contribuir de forma mais eficaz e coordenada para a realização do propósito do ministério público. No mesmo enfoque, discutiu-se como integrar membros e servidores para o desenvolvimento das atividades institucionais do ministério público.
Foi consenso a tese de que a fiscalização ao poder público quanto à efetiva implementação das políticas públicas, o combate à corrupção, a lavagem de dinheiro e a defesa do patrimônio público, são temas que impôem profunda reflexão e mudança de paradigmas no ministério público. Fez coro a constatação de que atuação intransigente na defesa desses interesses difusos e coletivos constitui mecanismo mais eficaz no combate ao crime que a simples repressão à criminalidade, expurgando a atual sensação de "enxugamento de gelo". Veio à tona a questão do superfaturamento das obras da Copa do Mundo com o reconhecimento de que, à época do convite feito pela FIFA, faltou ao ministério público brasileiro o feeling necessário para - no exercício de seu poder fiscalizatório - exigir um “não” do governo federal, haja vista não ser prioridade da sociedade brasileira a realização de evento de tamanha magnitude e custos, em momento em que o país vivencia grave crise nas áreas da saúde, da educação e da segurança pública.
Enfim, foi um sucesso o "Repensar". Coordenado pela Procuradora-Geral de Justiça do MPDFT, a goiana Eunice Pereira Amorim Carvalhido, o evento foi marcado por grande entusiasmo e elevado grau de envolvimento dos participantes. Foi possível discutir, de forma serena e eficaz, relevantes temas de interesse da sociedade, propiciando um reinventar-se para os novos tempos - não só ao MPDFT, mas a todo ministério público brasileiro.
Ainda com a parceria da Amana-key, o Colégio se reunirá novamente para a segunda etapa do "Repensar", a ser realizada no dia 2 de agosto, oportunidade em que, após apresentação dos levantamentos obtidos, possibilitará ao MPDFT por em prática a excelência dos processos de preparação da instituição para o futuro. Excelência da conexão discurso-ação em questões éticas e de responsabilidade econômica, social e política. Excelência que, por certo, virá em benefício de toda a sociedade brasileira - objetivo legitimador da existência do ministério público.
Diário da Manhã - 3/6/2014