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Inácio Neves Filho
Promotor de Justiça do MPDFT

No final do ano passado, quando o time do goiás vivia momentos de euforia, com chances reais de chegar à final do compeonato brasileiro, publiquei neste espaço a crônica "Eu agora sou do goiás". O texto, além de brincar com a impalatável pergunta candanga “você é do Goiás?", revela  minha relação com o futebol e os dois times do meu coração: a seleção, do Felipão e o verdão, do saudoso Fernandão.

Aliás, nem sei se posso me considerar um autêntico torcedor. Quem leu o artigo percebeu que sei tanto de futebol que, à época, conhecia apenas o técnico, o goleiro e o artilheiro do time do goiás. Mesmo assim, naqueles dias de glória, fiquei fascinado, chato quase igual a um flamenguista. Mas, não tenho culpa de não entender do assunto. Minha numerosa e tradicional família, radicada em Crixás, entende patavina de futebol, tanto que sequer sabe o que é usar uma camisa ou distintivo de algum time. A exceção é um tio que é "doente" pelo goiás mas, por ser tímido e gago, costuma extravasar a emoção do gol por meio de gestos e cacoetes um tanto risíveis.

Quanto à seleção brasileira, a minha paixão tá mais relacionada ao meu exacerbado sentimento nacionalista e entusiasta das potencialidades do Brasil do que, efetivamente, à admiração pelo futebol. Até gosto de assistir a um bom jogo e consigo me encantar quando a equipe verde-amarela entra em campo e traz recordações do futebol-arte das seleções de 1970 e 1982. Mas, pouco importa o que penso, gosto e sei sobre futebol. A verdade é que a modalidade é, sim, uma paixão nacional e como bom brasileiro, eu também tenho dificuldades em não entrar, nos próximos dias, na barca da torcida nacional.

Entretanto, a copa de 2014 tem sido até agora o campeonato da desilusão, com altíssimo índice de indiferença do brasileiro a um evento mundial de tamanha magnitude. É como se a cerimonialista-nação fosse convidada para sediar e organizar a festa de casamento do Brasil e, de repente, percebesse que o país-noivo ainda tem dúvida sobre querer ou não, neste momento, a noiva-copa. Os convidados estão ansiosos: querem o casamento, amam o noivo-Brasil mas, tem dúvida se ele, de fato, está preparado para o enlace, ou se falta a chuteira nupcial ou outras prioridades a serem realizadas antes de receber em núpcias tão bela copa. A ansiedade aumenta ainda mais ao saber que 32 seletos cavalheiros, vindos dos mais longínquos países, estão a postos, rentes ao bouquet, prontos pra disputar e conquistar a noiva e sua aliança Jules Rimet.

E nós, convidados de honra do Brasil, faremos coro ao dileto noivo, ou vamos às ruas protestar contra o casamento de afogadilho? Confesso que como genuíno brasileiro tenho oscilado entre o encanto e o desencanto, o ânimo e o desânimo, a emoção e a indiferença. E não estou sozinho nesta minha bipolaridade. Pesquisa inédita feita pelo Pew Research Center, um dos principais institutos de pesquisa dos EUA, revela que a percepção do brasileiro em relação à situação do país, à conjuntura econômica e ao governo Dilma Roussef se deteriou de maneira acentuada em apenas um ano, desde que milhares de pessoas tomaram as ruas do país para protestar contra a corrupção e a má-qualidade dos serviços públicos. Segundo a pesquisa, a radical mudança de humor em um espaço tão curto de tempo é rara e só viu oscilações tão acentuadas em lugares que passaram por crises ou rupturas instutucinais, como o Egito. O levantamento, feito em 82 países desde 2010, revela que o nível de frustração expressado pelos brasileiros em relação à direção de seu país, sua economia e seus líderes não tem paralelo em anos recentes.

Em socorro à minha ansiedade, busquei inspiração em Nelson Rodrigues, grande dramaturgo e cronista esportivo brasileiro, falecido em 1980, cujos escritos ajudaram na construção do Brasil como país do futebol. Em suas crônicas, Nelson procurava entender os motivos da baixa-estima dos brasileiros que os afetavam em todos os campos de atuação, não só no futebol, e encontrar soluções para sua superação. Em suma, Nelson identificou o “complexo de vira-latas” e a receita para a sua superação, para que o brasileiro, enfim, se tornasse o “homem genial”. Dono de um estilo único - irônico e hiperbólico -, ele tinha o hábito de apelidar seus jogadores favoritos, sendo o primeiro a chamar o Pelé de rei. Sua consagrada crônica encontra-se compilada no livro “Pátria de chuteiras”.

Ora, não é preciso ser inteligente pra se perceber que o Brasil vai mal, muito mal. E não é só a situação caótica em que se encontram a educação, a saúde e a segurança pública, entre outros problemas, que são motivos de preocupação; mas, principalmente, o rumo, o norte que tomou o país nos últimos anos. Com "a faca e o queijo na mão" para transformar o Brasil num país verdadeiramente desenvolvido e civilizado, Dilma preferiu priorizar o projeto lulo-petista de perpetuação no poder, tendo como paradigma governos autoritários como Cuba e Venezuela. Esse gradual e constante alinhamento com esses dois paises tem proporcionado o agravamento da pior crise de identidade vivenciada pelo Brasil em toda sua história. E o que é mais grave: a política assistencialista do "pão e circo" tem contribuído para o incremento de categorias múltiplas de massas de manobra, cuja população padece de cegueira funcional frente ao real quadro do país.

Salta os olhos a crise moral e de identidade porque passa o Brasil. Este verdadeiramente não é o país que queremos, que merecemos, e que sonhamos um dia construir. A economia forte e a inflação sobre controle que outrora era motivo de orgulho, hoje não passa de retórica de um governo pífio e incapaz de gerenciar minimamente o país. Mais grave ainda é a imposição "goela abaixo" de camufladas políticas públicas de viés ultramoderno, com objetivo único de desconstruir princípios e valores-esteios da família, em essência. O discurso progressista e pseudolibertário não tem outro objetivo senão empurrar para degrau inferior da sociedade o núcleo familiar demodê, por não se encaixar mais em nenhuma das modernas famílias consagradas pela festejada "ideologia de gênero".

A verdade é que atualmente há um mau humor nacional. Uma voz interior insiste em dizer que a copa é mera encenação e que a taça já tem dono. Minha ingenuidade me faz recusar aceitar tamanho acinte, embora sei do extraordinário empenho do governo federal para o sucesso do evento que, em última análise, traduz-se em passaporte para a reeleição de Dilma. Tudo isso, traz motivação para torcer contra a seleção brasileira, pra ir às ruas e protestar contra os mirabolantes estádios construídos em padrão Fifa, em total contradição com as mazelas porque passa a saúde, a segurança pública e a educação brasileira.

Enfim, embora a seleção brasileira pareça estar de chuteiras apropriadas, vejo a pátria sem chuteiras. Mas, em tudo, o bom senso há de prevalecer: decidi que não ficarei indiferente. Pela grandiosidade de nossa pátria, torcerei pela nossa seleção, mas, de forma consciente, responsável e procurando desvincular a arte do futebol das mazelas que até agora protagonizou o governo federal. Não vestirei a camisa amarela, não empunharei a bandeira nacional, não sairei em buzinaço pelas ruas. Penso que, com inteligência e sabedoria, o povo brasileiro poderá potencializar a energia de uma eventual vitória, canalizando-a para fazer bom uso nas próximas eleições.

Diário da Manhã - 12/6/2014

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