Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT
Na época de Kepler, não era clara a distinção entre alquimia e química, astronomia e astrologia. A medicina, quem diria, também entrava nessa mistura, pois a administração de remédios estava associada à interpretação das estrelas, dos cometas. Das simpatias dos céus, enfim.
Em todos os níveis, existia gente séria e vigaristas. Até hoje é assim. Vejo por aí pessoas que se apresentam como “cientistas” e que não passam de picaretas de marca maior. Mas fazem pose compenetrada, exibem título de doutoramento não sei onde (nem como), repetem ad nauseam a senha “Estado laico” e assim sobrevivem, impressionando os incautos.
Alquimistas acreditavam na transformação de metais menos nobres em riquezas, como o chumbo em prata. O ouro poderia ser destilado e bebido (aurum potabile) como elixir da eterna juventude. A premissa era a unidade do cosmo, a mística que conecta tudo com tudo. Mas a base da modernidade científica é outra: leis, forças e explicações, fruto de observação, e observação precisa, minuciosa, testada, capaz de derrubar paradigmas milenares, se for o caso. Teorias se adaptam aos fatos e não o contrário.
Nesse sentido, Kepler era um homem moderno, porque não estava disposto a acompanhar a tradição aristotélico-ptolomaica nem a se engajar no sistema tychônico, simplesmente porque nada disso se coadunava com seus cálculos matemáticos, ou então por uma questão banal de comodidade particular. Mas, em outros aspectos, Kepler nada tinha de moderno. Na verdade, ele foi um misto complexo entre a humildade cristã e a presunção científica.
Kepler não aceitou ser médico e não chegou a testemunhar a habilitação da medicina como uma das ocupações mais respeitáveis, se não a mais; o seu tempo era de Molière e das gozações que fazia com os curandeiros em suas peças.
Jornal de Brasília - 16/6/2014