Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT
Nas coisas da Justiça, afirma-se que se decide com base no que consta dos autos, ou seja, nas alegações das partes e nas provas devidamente formalizadas. Idealmente o processo é uma luta, só que uma luta de ideias, que veio substituir a luta de verdade, dos confrontos pessoais e das batalhas. Chegou-se à civilizada conclusão de que a Justiça pode resolver ou tentar resolver conflitos pessoais ou sociais, se não necessariamente com muita proficiência, ao menos com a vantagem de não derramar mais sangue do que já foi derramado.
Essa foi também a razão de terem inventado as figuras do promotor e do advogado. Aquele substituiu a vítima; não foi ele quem sofreu na pele a agressão e, portanto, não se deixa trair pelo emocional, não busca vingança. O advogado é também um intermediário que precisa manter uma distância da paixão experimentada por seus clientes. Quando o trabalho do promotor e do advogado é que traz novas agressões, a própria concepção de suas existências é colocada em cheque.
Desde os romanos repete-se que o que não está nos autos não está no mundo; não pode ser levado em consideração ou simplesmente não existe. Mas isso é também uma idealização exagerada. Não é tão simples assim.
Existem duas coisas que não estão nos autos e são tremendamente importantes para qualquer julgamento. O primeiro é o componente pessoal, ou seja, o caráter dos profissionais envolvidos. É muito diferente se um processo está sob os cuidados de um juiz criterioso, zeloso e verdadeiramente imparcial, ou se o magistrado é preguiçoso, indiferente e cheio de conceitos mal formados.
Além disso, algo molda o processo como valor humanitário tanto quanto histórico: aquilo que podemos chamar de “clima”. Os climas mudam e viabilizam sua existência, condicionam seu desfecho.
Jornal de Brasília - 23/6/2014