Anderson Pereira de Andrade
Promotor de Justiça do MPDFT
O tratamento constitucional dado ao adolescente infrator no Brasil está fundado em sólidos pilares. O primeiro Código de Menores de 1927 já previa um processo especial aos menores de 18 anos. O Código Penal de 1940 os excluiu definitivamente do âmbito do processo penal de adultos. Essa é uma tendência mundial. O texto essencial a respeito é a Convenção dos Direitos da Criança de 1989, tratado internacional que obteve mais adesão na história. Ratificada pelo Brasil, a Convenção determina tratamento diferenciado aos menores de 18 anos. Esse entendimento foi aprovado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, com sede em São José da Costa Rica, intérprete maior da Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil também é signatário.
A opção do constituinte brasileiro e do legislador internacional funda-se em razões profundas, científicas e políticas. A neurociência aprofunda cada vez mais seus estudos no sentido de sustentar com segurança que até o fim da adolescência ainda falta ao cérebro completar o amadurecimento de uma parte essencial às boas decisões, o córtex órbito-frontal, responsável, entre outras coisas, pela capacidade de arrependimento e, por extensão, pela antecipação de arrependimentos, como afirma a pesquisadora Suzana Heculano-Houzel, que assegura ser essa uma das últimas capacidades a amadurecer, aproximadamente aos 18 anos de idade. Não aplicar ao menor de 18 anos as sanções aplicadas ao que atingiu tal idade é também uma opção de política criminal. O que difere um adolescente de 17 anos e 11 meses de outro de 18 anos e um mês? Muito pouca coisa, evidentemente: sempre haverá imprecisões nessa área. Mas há que se traçar um marco temporal e tanto a ciência quanto o direito respaldam a escolha dos 18 anos como idade adequada para o início da responsabilização penal como adulto.
Como adulto, porque, no Brasil, desde os 12 anos de idade há um tipo de responsabilização do adolescente pelo cometimento da infração penal, prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente, também chamado direito penal juvenil. Diferentemente de outros países, como Alemanha, Chile ou Espanha, em que o tal direito só pode ser aplicado aos maiores de 14 anos, no Brasil essa responsabilidade começa aos 12. O problema maior, aqui e em todos os países, dá-se naqueles crimes graves, como homicídios, latrocínios e estupros. Como tratar esse adolescente que comete o ato grave? Uma parte da solução está na reforma do Estatuto da Criança e do Adolescente, para a criação de uma Lei de Responsabilidade Penal Juvenil que, aplicando o princípio fundamental da proporcionalidade, calibre a pena juvenil de acordo com a gravidade do ato cometido, aumentando-a nos casos mais graves.
Porém, a maior parte da solução está em evitar que um grande número de adolescentes e jovens adultos cometam transgressões graves à lei penal. Pesquisas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Ministério da Justiça mostram que há no Brasil, hoje, cerca de 715 mil presos; somos o terceiro país do mundo que mais prende, atrás de Estados Unidos e China. Outro dado fundamental aponta que a maior parte, quase 60% dos presos, têm menos de 29 anos, muitos deles saídos da adolescência, com 18, 19, 20 anos. Nesses casos, a ameaça da aplicação da lei penal não foi suficiente para dissuadir os jovens do cometimento de delitos.
Dados do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostram que, dos adolescentes privados de liberdade, a maioria absoluta, cerca de 70%, tem entre 16 e 18 anos; 80% têm renda familiar inferior a dois salários mínimos; 51% não frequentavam a escola e 90% não concluíram o ensino fundamental; 49% não trabalhavam e mais de 60% eram negros. Outro dado apontado pelas pesquisas é a pequena, quase insignificante, participação paterna na vida desses adolescentes. Quanto aos delitos cometidos, segundo dados da Secretaria de Direitos Humanos, encontram-se principalmente aqueles contra o patrimônio: roubos, furtos, tráfico de drogas e homicídios.
Diminuir a idade penal servirá para encher mais as nossas apinhadas penitenciárias. No entanto, não resolverá o grave problema da violência que flagela a sociedade, pois a violência não tem raízes na afirmação dos direitos da criança e do adolescente, consagrados na Constituição Brasileira e no ECA. As causas estão relacionadas à cultura da violência arraigada na sociedade brasileira, onde prevalecem as desigualdades, a pobreza, a discriminação e a injustiça, tudo isso temperado por um culto desenfreado ao consumo, que está ao alcance de poucos.
As soluções não são simples e devem passar por discussões profundas, como a reforma do próprio ECA, a discussão acerca da descriminalização do consumo e regulamentação da produção e venda de todas as drogas; o investimento prioritário em creches a todas as crianças a partir dos 6 meses de vida; e ensino fundamental em período integral com qualidade para todos. Além disso, há que se dedicar esforços ao sistema que se propõe a socioeducar o adolescente, reestruturando-o com a criação de cursos de formação em todos os estados da Federação, e a valorização dos profissionais, por meio de treinamento continuado para o exercício da árdua tarefa de socioeducador.
Assegurar os direitos do adolescente para imputar-lhe as obrigações e dar a resposta proporcional ao delito cometido, seja pelo adolescente seja pelo adulto, deve ser o anseio de toda a sociedade. A uma idade menor, uma sanção mais curta, a um delito mais grave, uma sanção mais dura. Para isso não é necessário tornar a lei penal cruel, especialmente porque — como mostrou o endurecimento da Lei dos Crimes Hediondos —, tal medida seria ineficaz. A certeza de uma resposta proporcional, justa e rápida tem maior eficácia e se encaixa adequadamente nos postulados de um Estado que pretende também ser de direito e democrático.
Correio Braziliense - 28/7/2014