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Laura Beatriz Rito 
Promotora de Justiça do MPDFT

Mais uma vez a espada da extinção paira sobre nossas cabeças. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) insiste na proposta de extinguir a Vara de Delitos de Trânsito de Brasília, única especializada no julgamento de tais crimes. A Lei de Organização Judiciária (LOJDF nº 6750/79) previa inicialmente a existência de duas varas especializadas. Com a modificação advinda da Lei nº 7086/82, passou a prever a existência de três.

Tal estrutura perdurou até 2005, quando, por meio de resolução, o TJDFT transformou uma delas em Vara de Órfãos e Sucessões e, em 2006, pelo mesmo procedimento, transformou a outra em Vara de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, restando apenas a vara atual.

Não me atrevo a questionar a política administrativa do TJDFT. A este cabe, sem sombra de dúvidas, transformar ou extinguir varas, de acordo com as necessidades, visando o aperfeiçoamento constante e eficaz da prestação jurisdicional.

Porém, permitam-me discorrer sobre tal decisão, que no meu entender trata-se de retrocesso. Não é preciso dizer que, em 1979 e em 1982, quando a LOJDF previa, respectivamente, duas e três varas especializadas de trânsito, tal assunto era menos impactante do que nos dias atuais.

O trânsito é hoje uma questão prioritária no Brasil e no mundo. Reduzir acidentes e mortes tem sido preocupação de todos os governos. Em maio de 2011, a ONU lançou a Década de Ação pelo Trânsito Seguro 2011-2020, na qual governos de todo o mundo se comprometem a tomar novas medidas para prevenir os acidentes de trânsito, que matam cerca de 1,3 milhão de pessoas por ano. Trata-se da nona causa de mortes em todo o mundo. Além disso, os acidentes no trânsito ferem de 20 a 50 milhões de pessoas a cada ano.

Ainda em 2011, foi lançado o Plano de Ação Global para a Década, que define as etapas para melhorias na segurança rodoviária, pede mais rigor na legislação e sugere medidas que possam dar mais proteção aos grupos vulneráveis, como ciclistas e pedestres. O trânsito está entre as cinco primeiras causas de morte no Brasil. E é a primeira entre os jovens.

Um dos fatores intimamente ligados à questão da educação no trânsito é, ao lado da fiscalização, a certeza da punição, de uma resposta rápida do Judiciário. O roteiro para a implantação da municipalização do trânsito, do Ministério da Justiça e do Denatran, aponta, com muita propriedade, que “a gestão do trânsito urbano, prevista principalmente no artigo 24 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), depende muito do relacionamento dos órgãos ou entidades municipais de trânsito, não só com os outros órgãos do Sistema Nacional de Trânsito (SNT), mas também com vários outros setores, como os poderes Judiciário e Legislativo, a imprensa, as organizações não governamentais, entre outras, que precisam conhecer e participar dessa gestão, mesmo que de forma indireta.”

Nesse contexto, a existência de uma Vara Especializada em Trânsito é medida de todo recomendável, máxime neste momento em que o trânsito é eleito questão prioritária. O crime de trânsito é diferenciado e apresenta particularidades que recomendam a manutenção da vara especializada.

O Ministério Público, de sua parte, criou, em 2012, mais uma promotoria especializada de trânsito; e às duas compete, além das causas criminais perante a Vara de Delitos de Trânsito de Brasília, também algumas atribuições cíveis.

A solução apontada pelo TJDFT é distribuir os feitos criminais entre as oito varas criminais comuns. Qual o efeito prático da medida? Primeiramente, ir na contramão da história e da cultura que se está construindo em relação ao trânsito. Em segundo lugar, o julgamento dos crimes de trânsito em uma vara em que serão julgados crimes do Código Penal, com penas mais graves, réus presos, que têm por lei prioridade de julgamento. Consequentemente, haveria maior risco de prescrição.

A centralização das questões relacionadas ao trânsito leva a uma melhor compreensão do sistema, das falhas e deficiências, facilitando a interação com os órgãos responsáveis pela segurança viária. Desistir da Vara de Delitos de Trânsito é retornar, desviar para uma via que está sendo pavimentada com paralelepípedos, no sentido de mudar o paradigma de construir e solidificar uma política criminal em relação ao trânsito.

Entre os vários projetos que tramitam no Legislativo relacionados ao trânsito, o PL nº 7028/2013 de autoria do deputado João Caldas (AL), prevê a criação de varas especializadas e delegacias especializadas em trânsito nas cidades com população acima de 500 mil habitantes.

Por que nós, na capital federal não podemos ter essa sensibilidade? A extinção da vara especializada é o melhor caminho para o trânsito em Brasília? Será apenas uma questão de estatística? Não me parece a melhor solução, em que pese o respeito ao entendimento do TJDFT.

Correio Braziliense - 19/9/2014


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