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Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT 

Durante o tempo em que mandou em Ilhéus, o poder de Ramiro Bastos não foi contrastado porque a situação dos demais coronéis era vantajosa. Cada um explorava sua produção de cacau e não sofria interferência na vida particular. Não havia necessidade de mudanças no quadro político porque a elite encontrou um ponto de equilíbrio satisfatório.

Mas a população não é composta apenas pela elite, e sim pelo povo, que não era beneficiado pela riqueza local tanto quanto precisava. Exemplo disso foi o que aconteceu com os pais de Lindinalva, que morreram num desastre em razão das péssimas condições da estrada. A moça se viu órfã de repente e, para piorar, com muitas dívidas vencidas e desconhecidas. O pai não passava de um modesto comerciante.

Jovem, bisonha, talhada para ser uma dona de casa típica ou professorinha primária, Lindinalva teve que ser ajudada pelo noivo, o crápula Berto e, depois, pela exploradora de mulheres Maria Machadão. No prefácio de “Os Miseráveis”, Victor Hugo disse que “um dos três problemas do século” era “a prostituição da mulher pela fome”. Ele escreveu isso em 1862 e, portanto, falava do século 19. “Gabriela” se passou quase meio século depois, e hoje, várias décadas na frente, continuamos às voltas com os mesmos “verdadeiros infernos”, na expressão de Hugo.

Outro problema é que o povo não tem poder de reação. Para tanto, é necessário mais do que um diagnóstico preciso e a espontaneidade da indignação ou da revolta. É preciso que surja um líder, alguém com capacidade de mobilização para a obtenção das coisas certas, do modo certo, no momento certo. Qualquer movimento em falso é facilmente reprimido pelos capangas de plantão. Há grandes chances de a multidão nem ficar sabendo o que aconteceu, e engolir qualquer mentira que a história oficial plantar.

Jornal de Brasília - 24/11/2014

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