Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT
Dr. Mundinho Falcão abalaria as estruturas da vida pública de Ilhéus. Como um “deus ex machina”, ele surgiu como a liderança de que a cidade precisava. Jovem, rico, habilidoso, forasteiro e com contatos no governo federal, Mundinho era a nêmesis do coronel Ramiro. Este ainda era poderoso, mas também velho, bruto, míope para novidades econômicas, embrenhado nas miudezas locais.
A tensão política de Ilhéus estava concentrada em ambos, e Mundinho teve que comer pelas beiradas para ocupar um espaço que parecia impermeável. Começou comprando a produção de cacau, a bom preço; com isso, ganhou a simpatia dos coronéis, que o viram como um parceiro sólido e confiável. Depois, convenceu-os de que a modernização do porto aumentaria os lucros, pois o cacau seria escoado de modo mais rápido e barato. Era preciso investimento, mas sair da zona de conforto valeria a pena. Ao mesmo tempo, montou um jornal, para que tivesse alguma voz amplificada favorável a seus projetos.
Mundinho não era uma versão mais moça de Ramiro, mas a própria encarnação do colapso de uma República Velha, onde a sociedade ainda vivia na ressaca da escravidão, as votações eleitorais eram farsescas, e a sustentação popular era de araque.
Na vida privada, Mundinho era mais do mesmo. Tinha mulheres e se divertia no Bataclan tanto quanto os coronéis, seus filhos e até os que não pertenciam à elite, como o turco Nacib. Este “servia” para alguma coisa, mas não era ninguém. O bordel era um microcosmo onde o desfrute do bem-bom estava reservado para alguns, e outros se aproveitavam do que sobrava. Maria Machadão sabia que “pecunia non olet”, mas um coronel não disputa mulher com um turco qualquer.
O único rapaz realmente decente de Ilhéus era Juvenal, irmão de Berto, e que acabou se casando com Lindinalva.
Jornal de Brasília - 1º/12/2014