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Newton Cezar Valcarenghi Teixeira
Promotor de Justiça do MPDFT

Em 17 de janeiro, à 0h30, no complexo de prisões de Nusakambangan, em Cilacap, Indonésia, o brasileiro Marco Archer Cardoso Moreira, 53 anos, após 12 anos de prisão, foi executado por um pelotão de fuzilamento. Consistiu a medida em condenação por ter ingressado naquele país com 13,4kg de cocaína, escondidos nos tubos de uma asa-delta. 

Por formação e princípio, sou contra a pena de morte. No contrato social teorizado por Rousseau, não soa crível que alguém tenha assentido em conferir ao Estado o direito sagrado sobre a sua vida. Nesse toar, o Estado não pode destituir o indivíduo daquilo que será incapaz de lhe devolver depois. Como sanção, priva-se o homem do patrimônio, da liberdade e, não raro, da dignidade. Tudo isso, em tese, pode depois lhe ser restituído. Não a vida. Deixo de lado os argumentos passionais, em favor da Lei de Talião, perfeitamente compreensíveis quando invocados pelas vítimas e seus familiares, notadamente se envolvem violência. Ao Estado, contudo, não cabe a vingança, senão aplicar a Justiça, segundo as garantias e princípios estruturados pela Constituição. 

A questão se mostra ainda mais emblemática, ao verificarmos o tratamento que lhe é conferido pela lei brasileira. Interessante notar que, para o tráfico de drogas, reserva a Lei nº 11.343/2006, que rege a matéria, o mínimo de cinco e o máximo de 15 anos de reclusão, mais multa. Porém, se o agente, for primário, ostentar bons antecedentes e não se dedicar a atividades criminosas, a sua pena será reduzida de um sexto a dois terços. Vale salientar que a praxe demonstra uma tendência dos juízes e tribunais em operar a redução, uma vez observadas as condições, à fração máxima. 

Na prática, ao marinheiro de primeira viagem, a pena não chega a ultrapassar dois anos. E mais: quando entrou em vigor, a lei de regência previa, entre outras medidas, o regime integral fechado para cumprimento da expiação, a vedação à liberdade provisória (direito de responder em liberdade), bem assim a impossibilidade de substituição da pena corporal — leia-se, prisão, por penas restritivas de direitos, v.g., prestação de serviços à comunidade. 

Após questionamentos que chegaram até o Supremo Tribunal Federal, todas as restrições em questão não mais persistem. Em tese, enquanto, na Indonésia, a resposta estatal para o tráfico é a morte, no Brasil, um réu que não possui condenação anterior pode, preenchidos alguns requisitos, responder ao processo em liberdade, e, uma vez condenado, iniciar o cumprimento da pena em regime inicial aberto, quiçá vê-la substituída por restritivas de direitos. 

Noutro giro, é fato que o trato da segurança pública não envolve apenas repressão. Questões como educação, trabalho, saúde pesam na balança da criminalidade. Seja como for, quando todos os outros meios de controle social falham e se faz necessário o uso do direito penal, há que se ter, e sobretudo perceber, efetividade na atuação. 

No entanto, ao contrário de que se arvora em ingressar com drogas na Indonésia, o risco, no Brasil, ainda compensa. E, com isso, se constrói o exército do tráfico. E para aqueles que, a despeito das benesses da lei, devem experimentar os dissabores do cárcere, faltam vagas nas penitenciárias e não há tratamento adequado. O sistema de visitas sem contatos físicos entre visitantes e internos, que reduziria em boa medida o ingresso de celulares e drogas nas penitenciárias, não é implementado. Isso sem contar, embora seja matéria para outro artigo, os decretos de indulto, benesses que jogam uma sombra na crença e na eficácia da justiça criminal. 

Embora pouco se diga, deles vêm boa parte das vagas nos presídios. Hordas de condenados entram, hordas de condenados saem, numa espiral de descaso e ineficiência que se renova a cada ano, quando um novo indulto natalino é editado. Como se vê, além das providências de ordem internacional a serem adotadas pelo Executivo federal, como resposta à execução de Marco Archer, e da atenção redobrada para com outro nacional, Rodrigo Muxfeldt Gularte, que se encontra no corredor da morte naquele país, há muito ainda a se fazer no combate ao tráfico e no respeito ao ser humano, não apenas na Indonésia, mas acima de tudo no Brasil.

Correio Braziliense - 21/1/2015

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