Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT
Para Ortega y Gasset, “a vida pública não é apenas política e sim, ao mesmo tempo e até antes, intelectual, moral, econômica e religiosa; compreende todos os hábitos coletivos, inclusive o modo de se vestir e o modo de se divertir”. É fato que gastamos tempo e energia demais falando de assuntos políticos corriqueiros e de políticos profissionais, muitos dos quais pessoas de espírito medíocre e probidade discutível – mas que têm poder para que outras pessoas existam com dignidade ou sem dignidade nenhuma.
O falecido escritor Reinaldo Arenas acusou que os nascidos na sua Cuba nos anos 1940 constituíram “uma geração perdida”: talentos foram desperdiçados nas lavouras de cana-de-açúcar, em guardas inúteis, na claque de discursos intermináveis que “sempre repetiam a mesma cantilena”. Sem sucesso, tentava-se obter um mísero par de sapatos, alugar uma casa na praia, burlar as leis repressivas e “a eterna persecução da polícia e suas prisões”.
O que aconteceu? Fuzilamentos, suicídios, alcoolismo, envilecimento. Um poeta foi perseguido e se converteu em espião, para depois cair em desgraça pelo regime - o que é uma morte em vida, pois o sujeito não é mais aceito sequer como acólito de quinta categoria e fenece desumanamente sem o protesto de um desejo contrariado, na expressão de La Boétie (leiam “A festa do Bode”, de Vargas Llosa, e verão). Outro poeta morreu em condições bastante dúbias, “não se sabe se de AIDS ou pela polícia castrista”. O próprio Arenas morreu das duas coisas, enxotado de Mariel como um apátrida faminto e nojento, um verme.
Em comum a todos esses tristes fins, encontra-se a intolerância “à grandeza e à dissidência”, à “manifestação da vida”, ao esforço de redução de tudo à vulgaridade: à “massa”, voltando a Ortega. É a política desalmando a história.
Jornal de Brasília - 6/4/2015