Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT 

Diógenes Coimbra
Filósofo  

Aleixo acabava de entrar no seletíssimo grupo dos quarentões. Espirituoso, arguto e, sobretudo, guapíssimo, era sucesso inconteste entre as mulheres, das ninfetas de vinte às ninfomaníacas de cinquenta. À patroa amantíssima prometera fazer, passada a festa natalícia, um check up completo. Mera garantia de que a prole, pouca mas promissora, não ficaria desamparada dos abraços paternos nem dos largos proventos.

Mal se apagaram as velas, vieram os choros. Cravaram-lhe o diagnóstico fatal: câncer. Após  consultas e confissões, o prognóstico soou-lhe definitivo.  A morte, que lhe fora até então uma distante hipótese plausível, tornou-se-lhe realidade próxima, palpável... Nosso Aleixo alterou-se: foi de meditativo a macambúzio, perdeu o ânimo, afastou-se da fé, largou amigos, esqueceu esposa, ignorou os filhos.

A vida, que sempre lhe fluíra farta, agora lhe soava falsa. Os dias frugais furtava-lhe a morte.   Trocou os aborrecidos tratamentos médicos pela vida desregrada. Bebia e comia à burra farta.  As malignas células anárquicas devoravam-lhe as entranhas, e tanto mais se multiplicavam, tanto mais nosso moribundo a desprezava. Ao cabo de seis meses tínhamos uma viúva, um órfão e um suicida, a quem ninguém chorava.

Suicida? Sim, nosso desafortunado personagem deixou-se simplesmente matar. Se é difícil pensar em Aleixo como suicida, pensemos em seu filho: Douglas. Fosse este diagnosticado com a maldita doença, e fosse seu pai desleixado com o tratamento médico, não o tomaríamos como culpado da morte, um homicida, portanto? Não tendo feito o que podia para salvar seu filho, não seria o pai responsável pela morte dele? Ora, o ato negligente foi o mesmo, a consequência, a mesmíssima. Mudamos apenas os agentes e o nome dos atos: homicídio de Douglas; suicídio de Aleixo.

Jornal de Brasília - 25/5/2015