Katia Christina Lemos
Promotora de Justiça
A atividade circense é milenar e traduz a expressão cultural do homem na superação de seus limites físicos. Entretanto, por que precisamos de animais em espetáculos circenses?
A Constituição Federal prevê no art. 225, caput, que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Neste contexto, prevê o §1º, VII, da CF/88 que caberá ao Poder Público o dever de proteger a fauna e a flora, vedadas na forma da lei as práticas que submetam os animais à crueldade.
O art. 32 da Lei 9605/98 (Lei de Crimes Ambientais) estabelece que quem praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos concorrerá ao crime ambiental punido com pena de detenção de três meses a um ano, e multa, bem como estará passível da aplicação da multa administrativa e a respectiva apreensão do animal consoante diretriz do art. 25 do mesmo diploma legal.
Entretanto, um dos problemas que gira em torno do assunto é a existência de lacuna legislativa federal quanto à legalidade ou não de animais em circo. Há diversos projetos de lei em trâmite no Congresso, mas, até a presente data, nenhum deles foi levado à discussão, considerando o forte trabalho das entidades circenses que pretendem permanecer expondo animais em espetáculos, obtendo lucros às custas do sofrimento atroz destes seres que temos a obrigação constitucional e ética de cuidar e preservar.
Na falta de legislação federal, cabe aos estados, municípios e ao Distrito Federal disciplinar o assunto, consoante diretriz do art. 21 da CF/88. Acompanhando a evolução legislativa de estados como Pará, Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco, o DF editou a Lei Distrital nº 4.060/07, a qual proíbe, em seu art. 6º, a apresentação de quaisquer espécies de animais em espetáculos circenses.
Isto demonstra que a humanidade vem mudando seus paradigmas, interesses e necessidades, ultrapassando um estado recrudescido da era Romana (em que a “diversão” baseava-se em espetáculos dantestos de luta e morte de cristãos por leões) para uma visão mais solidária de mundo.
As ilegalidades ocorrentes com os animais mantidos em circos demonstram que tal prática já não se adequa aos interesses e anseios da coletividade. A obrigação da Sociedade e do Estado é preservar sua integridade física e psíquica, como o direito subjetivo que têm de, ao menos, não sofrer.
Esses animais são treinados sob o paradigma da dor, não dispõem de condições mínimas de higiene e alimentação adequada, sendo, em muitos casos, mutilados, como quando têm arrancadas presas e garras para evitar “acidentes”. Quando doentes ou velhos, perdem sua “utilização” para os circos e são abandonados em recintos minúsculos, por vezes menores que seu tamanho, impedindo qualquer movimento.
É o caso dos cinco leões que hoje se encontram no Zoológico de Brasília, abandonados por circos após adquirirem “aids felina”. A verdade é que o IBAMA tem hoje por volta de 98 leões abandonados por circos pelo Brasil, não dispondo de local adequado para seu manejo, já que muitos zoológicos estão superlotados.
Por que então permitir a atividade circense exploradora do sofrimento destes seres que devemos proteger?
A manutenção de animais silvestres, a maioria selvagens, sob o jugo do homem, que busca demonstrar sua superioridade sobre a força e o instinto dos animais, arranca destes sua condição natural intrínseca, sua característica identificadora, sua dignidade.
De fato, não precisamos de animais em circo. Devemos ir a circos, sim, mas para valorizar o trabalho dos artistas garantido pelo direito constitucional à diversão, e não para apoiar ou aceitar a exploração de animais de qualquer espécie. Esses, temos o dever de cuidar e proteger, para que as presentes e as futuras gerações possam conhecê-los e repeitá-los.
Neste entendimento, deve-se primar pelo bem-estar dos seres vivos, humanos ou não humanos, preservando sua integridade física e psicológica, evitando a prática de maus-tratos ou de crueldade, cabendo aos órgãos ambientais o dever de impedir a continuidade dessas práticas.
Jornal de Brasília