Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT
Eis a abertura do romance "Esaú e Jacó", de Machado de Assis. "Era a primeira vez que as duas iam ao morro do Castelo. Começaram a subir pelo lado da rua do Carmo". O narrador está falando as irmãs Natividade e Perpétua, que procuravam uma adivinha conhecida como "Cabocla", para fazer uma previsão sobre o futuro dos gêmeos, filhos de Natividade.
O ano era 1871, e o lugar, o Rio de Janeiro então capital do império. O morro do Castelo situava-se na região central da cidade. Chegou a ter considerável importância na época dos jesuítas, mas de longa data estava planejado seu arrasamento, bem como de outros morros, por motivo de ordem sanitária.
Em 1921, foram evacuadas mais de 4.000 pessoas que ali viviam em cerca de 400 imóveis modestos (ou seja, era uma favela). O entulho serviu para aterrar praias e áreas pantanosas. Meio século depois, eram bem outros dos de Natividade e Perpétua. O Brasil não era mais um reinado e muito menos escravagista; os moradores do Castelo eram negros e mestiços que exerciam ocupações igualmente modestas, isto é, eram ex-escravos ou filhos de ex-escravos em processo de adaptação à vida livre. Três coisas que talvez você queira saber, por sua atualidade:
1 - o arrasamento definitivo começou tendo em vista a Exposição Internacional de comemoração do centenário da independência do Brasil, que aconteceria no ano seguinte, 1922. Mas a obra não foi finalizada a tempo, e sim apenas em 1924;
2 - o governo sabia que queria eliminar o morro, mas não sabia perfeitamente o que fazer depois. O terreno ficou ocioso, em grande parte, por alguns anos;
3 - por conta de atrasos, a prefeitura rescindiu o contrato com a empresa encarregada de executar a obra, a Soares&Cia. Outra empreiteira, a americana Kennedy & Co, teve que assumir os trabalhos.
Jornal de Brasília - 20/7/2015