Pedro Thomé de Arruda Neto
Promotor de Justiça do MPDFT
A evolução do Estado-Administração aqui tratada é firmada no constitucionalismo contemporâneo e, assim, podemos perceber quatro momentos evolutivos do Estado-Administração:
1º momento - Estado Absoluto
Aqui o Estado-Administração, representado pelo monarca, é visto como parte principis. Compreende todo o período da Idade Média e se protrai até o advento da monarquia constitucional no século XVIII, primeiro momento histórico de ruptura com os sistemas medievais e do Antigo Regime.
Foi neste período que surgiram as Teorias do Estado, que buscavam compreender o funcionamento político do Estado Absoluto, a exemplo, da de Thomas Hobbes, em sua obra máxima, “O Leviatã” (1651). Para ele a figura do Estado estaria atrelada ao do Soberano que representaria a solução para o estado de guerra entre os homens decorrência direta dos seus “estados de natureza” individuais e contrapostos e que implicavam colocar os indivíduos em situações necessariamente antagônicas, de colisão, e a destituição do soberano acarretaria a própria destruição do Estado.
Nesse contexto, o Leviatã seria aceito pelo grupo social que renunciaria aos seus estados de natureza para que se possibilitasse o reconhecimento mútuo e o direito à autoconservação. A figura do monarca se justificaria sob o ponto de vista jusnaturalista (como “o escolhido”, o “representante de Deus na Terra”) e o poder se perpetuaria através de laços de consaguiniedade e hereditariedade. O soberano governaria por meio do uso da persuasão e da retórica.
Nesse momento histórico, constata-se a inexistência da possibilidade de controle do Estado-Administração.
2º momento - Estado de Polícia
O chamado Estado de Polícia é segundo alguns pensadores, uma “derivação” ou um “desdobramento” do Estado Absoluto e não tem como ser delimitado em termos de período histórico propriamente dito, mas é certo que vigorou na Europa continental no fim da Idade Média até parte da era moderna, nos séculos XVI até o XVIII.
Surge da irresignação de alguns diante dos abusos cometidos pelos governantes e dos questionamentos relativos à própria origem do poder dos governantes, dentre este, o pensador Sir John Locke que em sua obra (dois Tratados Sobre o Governo Civil, em especial, o Segundo Tratado sobre o Governo Civil- 1680) defendia a monarquia constitucional que, posteriormente, veio a se estabelecer de forma marcante no século XIX como sistema de governo. Foi nesta aclamada obra que cuidou da noção de “bem público”, onde o poder supremo repousaria no povo que teria “direito de resistência” e “direito de revolução” para a dissolução do Estado-Administração que praticasse alguma arbitrariedade e deixasse de representar e concretizar os direitos naturais da coletividade. Ele trata do tema “soberania”, mas sob o contraste da sociedade civil.
Pode-se compreender o Estado de Polícia como a resposta do Estado Absoluto por meio do uso da restrição de direitos e liberdades e do uso indiscriminado do chamado poder de polícia para a repressão de comportamentos considerados indesejáveis ou desviantes pelos governantes, com clara concentração de poderes na mão dos monarcas que para se manterem no poder se utilizavam de mecanismos autoritários em detrimento dos administrados, tudo agravado pela não clareza ou a falta de previsão de direitos e garantias fundamentais em uma Carta Política.
Considerando a extrapolação do exercício do poder de polícia, que em regimes democráticos devem ser limitados pela lei e pela razoabilidade, pode-se concluir que neste momento histórico inexistia a possibilidade de controle do Estado-Administração.
3º momento - Estado Liberal ou Estado de Direito
Surge o Estado Liberal no século XVIII, como reação aos desmandos do Estado Absoluto e de Polícia. É um momento histórico importante em que se combate a chamada concentração de poderes – e, destarte, a ditadura – e se estabelece o chamado Estado Mínimo.
É nesse período que surge a chamada primeira geração de direitos, reconhecidas como verdadeiras liberdades negativas, esfera de proteção dos direitos individuais legalmente consagrados que confeririam ao cidadão o direito a um non facere estatal, bem como ressaltam a submissão do Estado-Administração à lei (princípio da legalidade) e a existência de vias jurisdicionais para a proteção do indivíduo.
O controle do Estado-Administração ganhou vertiginosa importância neste período. Entretanto, constata-se que o controle era “restrito”, pois diria respeito às garantias e às liberdades individuais, não se concebendo, ainda, naquele momento histórico, uma esfera de direitos que transcendescem o indivíduo e ao mesmo tempo merecessem proteção jurisdicional.
4º momento - Estado Social de Direito
Primordialmente ascendeu no século XIX, com a incorporação aos textos constitucionais dos chamados direitos sociais, ao lado, dos direitos e garantias individuais.
É aqui que surge a segunda geração de direitos por meio da enumeração constitucional dos direitos positivos, ou direitos de segunda dimensão que exigem um facere estatal, diante da óbvia constatação de que as liberdades negativas não se realizam efetivamente sem o desenvolvimento das liberdades positivas. Seguiu-se de significativa evolução no século 20 com a edição da Constituição Mexicana de 1917, oriunda de uma revolução, e a Constituição de Weimar da República Alemã, datada de 1919 (FRIESCHEISEN, 2007).
No Brasil os direitos sociais remontam à CF de 1934 e estão hodiernamente estabelecidos na Carta Política, em especial nos seus arts. 6º e 7º. É a chamada “ordem social” constitucional que converte o Estado Liberal ou Estado de Direito em Estado Social de Direito (art. 193, CF).
O controle do Estado-Administração ampliou-se ainda mais com relação ao período anterior, referente ao Estado de Direito, abarcando a proteção dos direitos sociais.
5º momento - Estado Democrático de Direito
É o Estado contemporâneo, ex parte populi, fundado nos direitos de primeira, segunda, terceira e quarta geração, e, neste último ponto com a preocupação voltada para a legitimação do atuar estatal e para a realização da democracia em seu sentido pleno.
Em outras palavras, estamos a falar do Estado baseado:
I – na soberania popular (Parágrafo único, do art. 1º: “Todo poder emana do povo que o exerce por meio de representes eleitos ou diretamente), que se exerce de duas formas: por meio da participação popular (ideia dos direitos políticos que são direitos públicos subjetivos que investem o indivíduo do status civitatis ativo por meio do direito de sufrágio, a alistabilidade, a elegibilidade, a iniciativa popular de lei, a ação popular, a organização e participação de partidos políticos) e do controle social;
II – no sistema representativo (Poder Legislativo) que deixa de ser o único a veicular as manifestações de poder popular;
III – na incorporação das ideias de tolerância e equidade nos sistemas constitucionais e legais;
IV – implementação (operacionalização) de direitos sociais, econômicos, culturais e de fraternidade, sendo que estes últimos só se realizam por meio de uma atuação conjunta do Estado e sociedade civil e no controle judicial e extrajudicial (ex: compromisso de ajustamento de conduta com condições temporais e orçamentárias para a efetiva implantação de uma determinada política pública – § 6º do art. 5º da Lei 7.347/85) das políticas públicas.
O controle, no Estado democrático de direito, é baseado na ideia das políticas públicas, que pode ser entendida como um conjunto de atos tendentes à realização de uma finalidade pública de realização de direitos de segunda, terceira e quarta gerações, no controle social e em atuações proativas do Ministério Público, exemplo do previsto no art. 26, inciso VII da Lei 8.625/93, relativamente a política pública de segurança pública que prevê a possibilidade do MP sugerir ao poder competente a edição de normas e alteração da legislação em vigor, bem como a adoção de medidas propostas, destinadas à prevenção e controle da criminalidade ou ainda no uso da recomendação como meio de advertência e prevenção de responsabilidade da Administração Pública em matéria ambiental, por exemplo.
É este o novo controle das políticas públicas, espécie do gênero controle do Estado-Administração, e é objeto de estudo do chamado “novo direito administrativo”.
Correio Braziliense - 3/8/2015