Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça
Eu entrei na faculdade de direito há exatos 20 anos. Estudei na UnB, porque achava, na época, que era melhor do que as outras e, principalmente, porque era de graça: não via motivo razoável para estudar pior e pagando. Prestei um único vestibular na vida, e tive sorte. Mais de uma década depois de formado, tive sorte de novo, voltei à UnB, e de lá saí, por incrível que pareça, com o título de "mestre". A universidade, com todos os seus muitos defeitos, é componente irrevogável da minha vida, e a ela devoto afeição.
O meu período de calouro coincidiu com a Assembléia Constituinte. Essa geração foi privilegiada porque pegou a Carta bem fresquinha, e os estudos de direito público foram todos feitos sob a sua égide. Embora a sociedade reclame a atualização constante das leis, ou a produção de novas leis, a verdade é que, para o profissional do direito, essas mudanças são muito aborrecidas, porque exigem a compra de novos códigos e livros, participação em seminários etc. As discussões acerca de novos institutos demoram tempo para se consolidar, muitas vezes com alto nível de contradição, e nunca é impossível que o Supremo declare inconstitucional uma lei aprovada há 10 ou 20 anos, reavivando-se confusão que nem existia mais. Os juristas se habituam a trabalhar com leis mal formuladas. Afinal, são eles que dizem o que a lei quis dizer.
Naquele período, só existiam em Brasília três escolas de Direito, tanto no início quanto no fim do meu curso. Os formandos de duas delas, então chamadas Ceub e UDF, nem precisavam se submeter às provas de ingresso para a OAB; os bacharéis já eram automaticamente advogados. Os da UnB precisavam, mas o teste era mera formalidade, facílimo, e, mais ainda, igual em todos os anos. Os alunos estavam carecas de conhecer o seu conteúdo; a aplicação era um dia de festa no departamento. Penso que, ao intensificar o rigor de seus exames admissionais, a Ordem presta um bom serviço à qualidade educacional dos cursos jurídicos, ainda que não seja esse o seu objetivo. A própria UnB aumentou o número de créditos e passou a cobrar monografias dos formandos.
Não havia internet e a informatização das repartições públicas e residências particulares era muitíssimo acanhada. Para a etapa subjetiva do meu concurso para promotor (então "substituto"), em 1993, utilizei-me de uma moderna máquina de escrever Praxis 20. Tenho a certeza de que, sem ela, não teria sido aprovado. Minha aptidão para digitar, modéstia à parte, não me deixa passar vergonha, ao contrário da minha caligrafia. Ter cursado datilografia no Senac, por volta de 1990, foi uma das melhores coisas que fiz na vida. Ali eu percebi que de fome não morreria.
Hoje há acesso simplificado a pesquisas jurídicas por qualquer computador pessoal; na época, eu era um orgulhoso assinante de um semanário impresso que me trazia as últimas do Congresso e dos Tribunais. A principal fonte de consulta aos arestos era em publicações escritas – portanto, já filtradas as discussões, por vezes acaloradas, entre os magistrados. Quando fui pela primeira vez a um julgamento, fiquei chocado ao descobrir que os relatórios não eram lidos em voz alta, que vogais riam entre si ou conversavam com assessores, e lanchavam. Já foram vistos casos de sono e de gafes e entreveros, os mais variados. Hoje, a Rádio e a TV Justiça exibem julgamentos ao vivo, o que impede cortes e edições, e exige dos juízes nível redobrado de atenção.
Foi um tempo de grandes novidades legais: Código de Defesa do Consumidor, Estatuto da Criança e Adolescente, Lei dos Crimes Hediondos, Lei de Improbidade Administrativa. Ainda vivos, Hely Lopes Meirelles e Geraldo Ataliba eram as estrelas dos direitos Administrativo e Tributário brasileiros, e Moreira Alves e Francisco Rezek davam as cartas no STF e na UnB. Fui aluno de ambos, e também, dentre outros professores maravilhosos, de Francisco de Assis Toledo, Luiz Vicente Cernicchiaro, Romildo Bueno de Souza (sic) e Paulo Laitano Távora. Pode ser que Paulo Távora tenha sido o mais completo educador que tive em toda a minha trajetória estudantil. A ele, fica aqui a minha homenagem.
Jornal de Brasília