Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT
O ex-agente do FBI (a Polícia Federal dos Estados Unidos) Joe Pistone foi o pioneiro no trabalho de infiltração (undercover), na década de 1980. Tal trabalho consiste em se passar por criminoso e acessar o grupo organizado que se pretende investigar. Assim, é possível entrar na sua casa e obter informações privilegiadíssimas sobre alvos, parceiros, linhas de atuação, planos, bens adquiridos e toda a sorte de detalhes que servirá para incriminações futuras.
Claro que isso é imensamente difícil; poucos são os que conseguem fazer jogo duplo de modo consistente. Não se trata de dedicar algumas horas por dia ao expediente, qual um servidor público comum. A espionagem exige imersão total, modificação radical ao estilo de vida, o que inclui grande prejuízo para a individualidade e comprometimento da intimidade familiar.
Antes de mais nada, Pistone se fantasiou de bandido. Treinou a maneira de falar, andar, vestir-se. Fez curso intensivo sobre joias, pois sua ocupação de fachada era a de ladrão e ele precisava dominar o assunto; o FBI chegou a lhe dar algumas gemas para que a farsa tivesse credibilidade. Em seguida, ele se esforçou em travar os contatos certos e penetrar aos poucos no circuito que lhe interessava. Além de talento, isso requer sangue-frio para lidar com o perigo constante. A menor desconfiança de que o comparsa é policial ou dedo-duro (snitch), a pena é de eliminação sumária. Não há acusações formais, chances de defesa, recursos; essas coisas valem para o mundo civilizado. Na delinquência, o suspeito é morto num piscar de olhos - e quem costuma fazer tal serviço é o próprio parceiro, que é quem melhor conhece sua rotina, e tantas vezes tem bom relacionamento com a mulher e filhos da vítima. Criminosos profissionais não têm amigos de verdade, isso não existe.
Jornal de Brasília - 31/8/2015