Inácio Neves Filho
Promotor de Justiça do MPDFT
Em época de aridez no cenário político, econômico e social, uma das perspectivas de alento e lenitivo para o sofrido povo brasileiro, especialmente os cristãos, é reavivar a fé e a religiosidade. O propósito pode ser uma maior dedicação às práticas e rituais sagrados, como participar de missas e cultos religiosos, por exemplo, ou participar de uma peregrinação a santuários. Foi isso o que fez um grupo de 52 peregrinos goianos, do qual fiz parte, em setembro último, cuja missão era conhecer Guadalupe, a Virgem padroeira do México.
Bem organizado, o passeio teve a participação do padre e cantor Marcos Rogério, conhecido por reunir milhares de fieis em suas animadas missas na paróquia Nossa Senhora da Assunção, em Goiânia, além de dona Judith da Costa, 77 anos, uma das pioneiras da Renovação Carismática Católica em Goiás. E missa é o que não faltou na viagem, tendo a estréia ocorrido na Basílica de Guadalupe, na Cidade do México, capital do país.
Localizado no Monte Tepeyac, o Santuário de Nossa Senhora de Guadalupé é considerado o principal templo da igreja católica no continente americano e um dos mais visitados do mundo, recebendo cerca de 20 milhões de fiéis anualmente. O santuário é composto de várias igrejas e capelas, dentre elas a Basílica antiga, do século XVI, e outra de 1974, em cujo interior encontra-se o manto com a imagem da Virgem de Guadalupe.
Conhecer Guadalupe ajuda a compreender aspectos da cultura mexicana e como a figura da Santa representa um papel importante na construção dos valores da população. A história de sua aparição desafia a ciência moderna. Em 1531, os missionários espanhóis franciscanos e dominicanos evangelizavam os índios maias e astecas no México e tinham muita dificuldade nessa missão porque esses índios eram idólatras e ofereciam sacrifícios humanos aos seus muitos deuses. Diz a tradição que em dezembro daquele ano um índio asteca, chamado Juan Diego, teve um encontro místico espiritual com Maria, a mãe de Jesus, no monte Tepeyac. Seu pedido era simples: Juan Diego deveria pedir ao bispo local que construísse naquele lugar uma igreja dedicada a Ela, onde muitos corações seriam curados e encontrariam o amor de seu filho Jesus. O bispo, Dom Zumárraga, de imediato, não acreditou na palavra de Juan Diego, sendo preciso outros três encontros com a Virgem para que tudo ficasse claro. Somente quando Nossa Senhora pede a Juan Diego que ofereça rosas ao bispo como prova de sua presença, é que tudo se esclarece, e o bispo percebe que o extraordinário de Deus está ali presente. Envolvidas em seu manto, Juan Diego leva as rosas, colhidas no inverno, onde elas jamais brotariam em situação normal. Ao depositar as rosas frescas aos pés dos franciscanos, revela-se, estampada no manto de Dieguito, a imagem daquela que hoje chamamos de Nossa Senhora de Guadalupe. De forma resumida, esta é a história da Virgem, cujos registros encontram-se no Campanario - um monumento, com sinos e relógios, que conta a história das aparições da Virgem de Guadalupe.
Os céticos poderiam dizer que é só história e que nada há de científico, mas a questão não se encerra por ai. O manto de Juan Diego foi preservado e mantém até hoje a imagem da Santa. Esse tipo de manto, conhecido no México como tilma, é feito de tecido grosseiro e deveria ter-se desfeito há muito tempo. No século XVIII, pessoas piedosas decidiram fazer uma cópia da imagem, a mais fidedigna possível. Teceram uma tilma idêntica, com as mesmas fibras da original e, apesar de todo o cuidado, a tilma se desfez em quinze anos, enquanto o manto de Guadalupe tem 484 anos e, até hoje, os cientistas não conseguiram explicar que produto tingiu o manto.
Em 1979 o prof. Phillip Serna Callahan, biofísico da Universidade da Flórida, junto com especialistas da NASA, analisou a imagem com o objetivo de verificar se se tratava de uma fotografia. Constataram que não é fotografia, uma vez que não há impressão no tecido. Fizeram eles mais de 40 fotografias infravermelhas para verificar como é a pintura, e constataram que a imagem não está colada ao manto, mas se encontra 3 décimos de milímetro distante da tilma. Para os céticos, outra complicação: verificaram que, ao aproximar os olhos a menos de 10 cm da tilma, não se vê a imagem ou as cores dela, mas só as fibras do manto.
A partir das aparições de Nossa Senhora de Guadalupe, os missionários passaram a evangelizar os índios em massa, tendo sido batizados, em poucos anos, mais de sete milhões. O México, com 84% da população católica é, ao lado do Brasil e dos Estados Unidos, o país de maior população católica romana no mundo. Ao ser declarada santuário nacional do México pelo Vaticano, a Basílica de Guadalupe tornou-se um dos primeiros santuários marianos da América Latina, tendo sido proclamada “Padroeira da América Latina", em 1910, pelo Papa Pio X.
Mas, nem só de santuário vive o México. O país é uma mescla de história e modernidade, pelo que, prosseguiu o passeio, logicamente sem profanação, em tour pela Cidade do México. Apesar do pouco tempo que dispúnhamos, foi possível passearmos, de barco, pelos canais de Xochimilco, além de conhecermos o Palacio Nacional, a importante avenida "Passeio da Reforma", o Museu Nacional de Antropología, o Palacio de Belas Artes, a Catedral Metropolitana e o Zócalo - a 3ª maior praça do mundo.
Fomos a Puebla, cidade onde, em 1979, foi realizada uma histórica conferência em que foi afirmada pela igreja católica sua opção preferencial pelos pobres, afirmação que deu origem a diversos movimentos religiosos ligados à Teologia da Libertação. Conhecemos, também, próximo à Puebla, a encantadora Cholula, a maior pirâmide do mundo em volume e em extensão da base, em cujo topo os espanhóis edificaram a igreja de Nossa Senhora dos Remédios, construída em pedra e enfeitada com folha de ouro de 24 quilates.
Da Cidade do México, a turma dos 52 voou para Cancun, afinal não é nenhum pecado apreciar uma boa tequila e maravilhar-se com as belas praias e um delicioso mergulho nas límpidas águas caribenhas, com direito a nadar com os golfinhos. Foi o que fizeram dona Waldeth Oliveira, de 79 anos - a mais animada das exatas 40 gatinhas que abrilhantaram o passeio, e a minha mãe, Eclair, de 76 anos, que saiu de Crixás para brilhar em solo caraíba. Uma espécie de "Lual Show", em Cancun, marcou o último dia da nossa peregrinação ao México, mesmo não sendo noite de lua cheia. Cumprindo agenda, o renomado cantor católico Diego Fernandes, não só compareceu, mas comoveu a todos ao entoar, em plena praia, "pra te adorar", de Eliana Ribeiro.
Fascinante, também, foi o passeio a Cozumel, a maior ilha do México e um dos destinos mais disputados da regiāo. A travessia, de ferry boat, partindo de Playa Del Carmen, foi memorável e a beleza e calmaria do vilarejo transpareceram revigorar a alma.
Presença, também marcante em todo o passeio, foi a do meu pai, Inácio Neves, que no próximo 23 de outubro completa 83 anos de idade. Impressionante a jovialidade, o vigor físico e a disposição do garoto. E olha que não tô puxando o saco: participou ativamente de todos os eventos da peregrinação e, em Cholula, foi ele o primeiro a alcançar o topo da pirâmide, quando cuidou logo de ajoelhar-se para agradecer à Nossa Senhora dos Remédios.
Mas, uma coisa deve intrigar o honrado leitor, já que, neste 12 de outubro, a homenagem deveria recair em Nossa Senhora Aparecida - a padroeira do Brasil. Explico: a festa dedicada à Nossa Senhora de Guadalupe é celebrada no dia 12 de dezembro. Ocorre que, diferente de nós - incansáveis humanos pecadores, entre as Santas não há ciúmes, invejas, nem disputas. Senhora Aparecida, Senhora de Guadalupe, e todas as demais santas a quem reverenciamos "a mãe do filho de Deus", é uma só, e existe para interceder por cada um de nós, rogando ao filho amado que ilumine o nosso caminho e nos proteja de todo o mal. Para isso, é preciso pedir a Ela, com fé, esperança e amor. Nossa Senhora de Guadalupe: "rogai por nós".
Diário da Manhã - 12/10/2015