Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT
No romance About a boym de Nick Hornby, o personagem principal, Will, herdou os direitos autorais de uma canção de natal que seu pai compusera. Isso era o suficiente para lhe proporcionar uma vida bastante confortável. Com ilimitada disponibilidade de tempo, entregou-se ao ócio inútil. Não trabalhava, não se instruía, não escrevia artigos para o jornal, não ocupava de nenhuma atividade produtiva. Passava o dia vendo TV, jogando sinuca, entregue a passatempos de playboy barato. Mais: detestava o final de ano, época em que tinha de escutar ad nauseam a música que o sustentava.
Minto. Essas informações tirei foi do filme. Não li o livro. Até gostava do Nick Hornby, mas ele caiu em desgraça comigo quando afirmou que não acreditava que as pessoas apreciassem jazz; elas dizem isso para posarem de finas quando, na verdade, gostam é do roque. Enquanto ele não se retratar cabalmente dessa monstruosidade, segue na minha lista negra.
Seja como for, parece uma contradição que Will deplorasse a tal música de natal. É que ele não tinha vida própria. Deambulava na sombra do pai, como na sentença de uma personagem de seu compatriota e xará ilustre, Shakespeare: life is a but a walking shadow. De certa forma, Will vivia a morte do pai. Isso acontece com filhos de pessoas famosas, sejam celebridades, do bem ou do mal, sejam semi-anônimos que conquistaram algum feito notável ou notório. Não existem descendentes diretos de Hitler, que não teve filhos, ou do próprio Shakespeare, que não teve netos. Se existissem , teriam de suportar patronímico cujo peso é capaz de moer individualidades ao longo de muitas gerações.
Não vamos tão longe. O mesmo se aplica a nossos políticos do passado, ministros do presente, bandidos, atores "globais", starlets, jogadores de futebol e, agora sim, cantores de roque.
Jornal de Brasília - 19/10/2015