Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT
Se estivesse fazendo sol, às 10h em ponto, coronel Ramiro Bastos, chapéu panamá na cabeça e bengala de castão de ouro na mão, caminhava lenta, mas firmemente, em direção à praça da intendência. Sentava-se em um banco, “quentava sol”, via o movimento e era visto. O local ficava em frente à sua casa e havia sido ajardinado em um de seus governos. Era o mais belo logradouro de Ilhéus.
“Seus olhos passeavam pela praça, pousavam no edifício da intendência. O coronel Ramiro Bastos contemplava tudo aquilo como se fosse propriedade sua”, diz o narrador de “Gabriela, cravo e canela” (o livro foi escrito por Jorge Amado na terceira pessoa). Quem mandava ali? Ele, pensava ele mesmo, satisfeito. A política era dominada por si diretamente ou por delegados que se revezavam e “não moviam uma palha sem sua aprovação”.
Todos os indivíduos – e isso se aplica por extensão a famílias, cidades, nações inteiras – precisam manter acesa a chama da iniciativa, criatividade, ousadia. Aplicar fórmulas testadas e aprovadas é medida inteligente, mas talvez elas venham a se desgastar e precisarão ser recicladas ou aprimoradas. Peguem o exemplo de Portugal.
Ao final do século 15, era um país empreendedor, que vinha desbravando oceanos, no oriente e no ocidente, com imenso acúmulo de conhecimento. No Brasil, todavia, apelou para exploração na base da depleção e escravatura, com um projeto político antigo, mas vago, de viés milenarista, precipitado pelo desespero de uma Europa convulsionada. Esses ingredientes não foram os únicos mas, hauridos por dezenas de décadas, só não o levou ao desaparecimento do mapa em razão do privilégio geográfico e das riquezas da colônia (a “vaca leiteira”, na expressão do velho rei d. João IV). Também a miopia de Ramiro Bastos foi a receita de seu declínio e queda.
Jornal de Brasília - 30/11/2015