Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT
De início, Dr. Mundinho Falcão e coronel Ramiro Bastos tratavam-se com cordialidade e protestos de amizade, como recomendava a etiqueta dos homens públicos poderosos. Mas este vislumbrava naquele um inimigo. Acusava-o abertamente de “forasteiro”, de estar se metendo onde não era chamado. Muito o desagradava o fato de não lhe fazer “bobbing”, ou seja, não se humilhar diante de sua autoridade constituída. Ao contrário, Mundinho começou a executar uma série de coisas à revelia da vontade e até do conhecimento prévio do rival.
Nas palavras do livro de Jorge Amado, Ramiro “mantinha-se obstinadamente surdo a certos problemas, a reclamações diversas: criação de hospitais, fundação de um ginásio municipal, abertura de estradas para o interior, construção de campos de esportes”. Até mesmoum jornal diário lhe pareciaum “luxo supérfluo”. O que fomentava era o embelezamento das praças ou, senão, os cabarés, os prostíbulos, “a orgia desenfreada das noites de Ilhéus”. Afinal, “os homens precisavam daquilo” e ele bem o sabia porque “também fora jovem”.
Não ocorria ao coronel que o equilíbrio do chefe político jamais é estável em definitivo, e é necessário fazer concessões para agradar pessoas que circulam fora da intimidade de familiares e amigos próximos. É frágil a sustentação de poder em bases demasiado exclusivas, como Talleyrand ironizou Napoleão a propósito das baionetas.
Mundinho financiou o comércio das marinetes e a fundação do Clube Progresso, trouxe engenheiro do ministério para reestudar a barra do porto, agilizou a equiparação o colégio de Enoch (esta última questão foi particularmente dolorosa, pois Ramiro até tentou fazê-lo e não conseguiu). A surdez tinha lá seus limites, pois o nome do opositor “soava cada vez mais insistentemente nos ouvidos do coronel”.
Jornal de Brasília - 7/12/2015