Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT
Episódio na vida real parecido com o da barra de Ilhéus de “Gabriela” ocorreu na Paraíba: o assassinato de João Pessoa, em 1930. Antes de relembrá-lo, vamos recapitular que um dos pontos mais agudos do embate entre Ramiro Bastos e Mundinho Falcão dizia respeito ao escoamento de cacau, bem cobiçado pelos mercados dos EUA e Europa. Ele tinha que ser levado até Salvador, o que o encarecia pelos custos de transporte (precários) e geração de tributos que favoreciam a região exportadora, não a produtora.
Dr. Mundinho era exportador. Adquiria o cacau - a preço generoso, consolidando a confiança dos coronéis como parceiro comercial - e o vendia a empresas estrangeiras. É claro que, antes dele, já havia sido percebida a vantagem de os navios partirem sem escalas. Estudos, porém, descartaram a hipótese em razão da pouca profundidade da barra. A solução seria a construção de outro porto, mas o custo gigantesco de tal obra encerrava o assunto.
Não para Mundinho. Ousado e confiante, ele se encarregou de reestudar a questão. Isso foi motivo de piadas porque o engenheiro, do Ministério de Obras Públicas do Rio de Janeiro, na época a capital do país, demorou para chegar (e, em chegando, envolveu-se subjetivamente com a filha de um perigoso coronel) e uma alteração do quadro fático era considerado por muitos como perda de tempo.
Não estão claras as razões de não ter havido apoio sólido na retomada do projeto; ninguém tinha nada a perder. Tudo indica que a questão era política em um sentido emocional: afinal, quem era esse jovem forasteiro que chegou de repente e achava que podia abalar as estruturas dos negócios locais, por iniciativa própria, sem a benção do todo- poderoso? O porto era só um pretexto, um fator de acirramento das tensões, de quem sabe mais, pode mais e faz mais.
Jornal de Brasília - 28/12/2015