Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT
Romance é obra de ficção, fruto da criatividade de seu autor. Mas o que costuma existir de imaginário – total ou parcialmente baseado em fatos reais – são o enredo, as estruturas psicológicas dos personagens e o fluxo de consciência com a narrativa. O pano de fundo em que tudo isso se encaixa, via regra, é ou foi verídico, amenos que sua dimensão físico temporal seja do tipo “fantástica” ou que não passe, por exemplo, de “uma grande cidade” vagamente familiar, os confins da pré-história, o centro da Terra ou o espaço sideral.
Os romances de Machado de Assis acontecem em seu Rio de Janeiro, na mesma época em que viveu. Victor Hugo escreveu sobre uma França que conhecia muito bem, assim como Alexandre Dumas, que decidiu porque decidiu que o Conde de Monte Cristo fixara residência em Paris no número 30 da Champs-Elysées: inventou o conde mas não inventou a avenida, a cidade e muito menos o país. A casa está no exato limite entre o real e o ideal.
Esses autores teriam dificuldades em fazer ambientações em locais ou épocas distantes de si. Por isso, um romance pode ser obra de valor literário e também histórico. Ou, por outra, pode ter grande valor literário e pouco valor histórico (em hipótese de descuido, proposital ou não, na pesquisa dos costumes) ou, ao contrário, talvez pouco ou nada contribua em termos literários, mas seja um relato valioso de uma época, amesma em que seu autor experimentou e/ou estudou a fundo. Creio que obra-prima seja aquela que consiga articular com consistência ambas as vertentes. Livro mal-escrito não merecerá ser lido pelas gerações futuras, assim como livro bem escrito, mas recheado de notas de rodapé explicativas inseridas pelo editor, ou então em edição sem notas, que contamina o leitor incauto com informações inexatas ou falsas.
Jornal de Brasília - 25/1/2016
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