Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT
Em "Gabriela, cravo e canela", Jorge Amado explica que "o Doutor não era doutor, o Capitão não era capitão. Como a maior parte dos coronéis não eram coronéis. Poucos, em realidade, os fazendeiros que, nos começos da República e da lavoura de cacau, haviam adquirido patentes de coronel da Guarda Nacional."
Embora o livro em questão seja ficcional, a informação é verdade. Nem poderia ser diferente, pois a trama está recheada de coronéis e se desenvolve justamente no período em que o maior deles, Ramiro, perdia poder para dr. Mundinho Falcão. Essa dinâmica não dizia respeito apenas a uma troca possível de líder e sim a uma maneira nova de se fazer política, pois Mundinho não era coronel. Não se tratava de um capítulo que se abria na cultura do clientelismo, de controle das votações em áreas de influência e retribuição com carreiras no funcionalismo ou serviços gratuitos: um empreguinho aqui, um presentinho ali, uma vaga numa escola ou num hospital.
Na verdade, o romance pode até dizer mais que livros de história, ao acrescentar que "ficara o costume: dono de roça de mais de mil arrobas passava normalmente a usar e receber o título (de coronel) que ali não implicava em mando militar e, sim, no reconhecimento da riqueza". Esse "ali" era a Ilhéus na República Velha, isto é, até a segunda década do século passado. No restante do cenário estadual, houve uma insurreição dos coronéis do sertão contra os políticos profissionais da capital (então chamada de "Bahia"), o que provocou a intervenção do Governo Federal, na pessoa do presidente Epitácio Pessoa. Ao coronel de verdade Horácio de Matos foi permitido manter seu arsenal e continuar controlando nada menos do que 12 municípios. Em outros lugares não foi necessariamente assim.
Jornal de Brasília - 1º/2/2016
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