Thiago Pierobom
Promotor de Justiça do MPDFT
Certamente muito avançamos no enfrentamento às violências contra as mulheres após o advento da Lei Maria da Penha, e das diversas convenções internacionais (CEDAW/ONU, e de Belém do Pará). Mas ainda há muito a avançar. A violência contra a mulher é uma séria violação de direitos humanos. É também uma verdadeira pandemia global: segundo dados da ONU, mais de 70% das mulheres já sofreram alguma forma de violência em sua vida, no mundo. O Brasil ocupa o vergonhoso 5º lugar no ranking dos países que mais matam suas mulheres.
A violência doméstica é a forma mais debatida das violências contra as mulheres. Certamente é o que mais mata. Mas há outras. Inúmeras meninas são vítimas de violência sexual dentro de suas casas. Há atualmente uma CPMI em curso para investigar a exploração sexual de meninas atletas, por seus treinadores e equipe técnica. Inúmeras outras meninas são exploradas no turismo sexual, à beira das rodovias e às margens de grandes obras. Um delito em que, na esmagadora maioria, autor e vítima têm sexo determinado: trata-se de uma violência do masculino contra o feminino. E ainda há quem queira negar às mulheres o acesso às políticas públicas de saúde para profilaxia da gestação, mesmo após terem sofrido um crime de estupro, na eterna desconfiança da palavra daquela que supostamente induziu Adão ao pecado.
As mulheres conquistaram o mercado de trabalho, mas não se libertaram da carga exclusiva dos trabalhos domésticos, tendo que suportar uma iníqua dupla (quando não tripla e quádrupla) jornada de trabalho. As mulheres possuem salários mais baixos que os dos homens e menor representatividade nos espaços de decisão e poder. Estão mais expostas ao risco do assédio moral e sexual nas relações de trabalho. E se, apesar de toda a competência, galgam uma promoção, haverá sempre o comentário malicioso sobre qual favor sexual ela teria feito para merecer a benesse.
As mulheres são sistematicamente expostas nas campanhas publicitárias como um mero objeto sexual, um par de nádegas e seios ligados por uma cintura fina, cuja existência possui uma finalidade: satisfazer a lascívia masculina. A honra das mulheres é, não raro, enxovalhada nas instruções probatórias dos crimes contra a dignidade sexual, na eterna tese defensiva de que elas provocaram e são corresponsáveis pelo crime. Aliás, 25% dos homens no Brasil entendem que se uma mulher usa roupas curtas e é estuprada, ela também é culpada pelo estupro.
O Brasil já foi condenado pela Comissão CEDAW da ONU por haver uma verdadeira epidemia de mortalidade materna no momento do parto, a qual anda ao lado da epidemia de cirurgias cesarianas. Há um conjunto de violências às mulheres normalizado no parto, que deveria ser um momento sagrado de trazer à vida um novo ser.
Muitas mulheres estão morrendo nas mesas de cirurgia plástica na exigência de alcançarem um utópico padrão de beleza: que sejam eternamente adolescentes. A sociedade lhes reconhece o valor enquanto cumprem o papel de objeto de desejo sexual. Um padrão de beleza que simplesmente não se exige dos homens: afinal dizem que é dos carecas que elas gostam mais e que cabelos grisalhos dão um certo charme aos homens.
Tenho um filho de 16 anos e uma filha de 12. Gostaria muito que eles pudessem crescer numa sociedade livre da violência decorrente da divisão estereotipada de papéis entre homens e mulheres. Que minha filha tivesse a liberdade de poder vestir um shorts e andar sozinha na rua, sem o risco de ser sistematicamente assediada ou mesmo violada. Que meu filho tenha a liberdade de chorar nos momentos de dor, de se dedicar mais aos filhos, e não precise externar comportamentos violentos ou dominadores como prova de sua masculinidade. Que não houvesse qualquer problema em minha filha ganhar mais que seu futuro companheiro, nem em meu filho ganhar menos que sua futura companheira. Acima de tudo, que eles tenham a liberdade de serem eles mesmos, sem pressões por papéis que incentivam a violência. Que eu possa andar na rua abraçado com meu filho sem o risco de ser confundido com um casal homossexual e sermos apedrejados. E que os casais homossexuais igualmente possam viver em uma sociedade livre, justa e solidária, sem nenhuma forma de discriminação.
A violência contra as mulheres é um câncer social. Violenta mulheres e também homens. As mulheres são e devem continuar sendo as protagonistas na luta por seus direitos humanos. Mas eu, homem, sou solidário a essa luta, porque dela também preciso para afirmar a minha própria humanidade. Neste dia, meu desejo é que possamos refletir sobre as invisíveis micro relações de poder que subalternizam as mulheres e precarizam sua existência, rumo à efetiva igualdade de direitos entre homens e mulheres. Que digamos todos não às violências contra as mulheres.
Correio Braziliense - 1º/2/2016
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