Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT
“Fiquem tranquilos: nenhum humorista atira para matar” (Millôr Fernandes). Que existe algum limite na atividade humorística profissional, existe. Do contrário, ela desfrutaria do privilégio do poder absoluto e irresponsável, ao largo até do consenso ritualizado da “suspensão da descrença” que tipifica a manifestação artística estritamente fictícia. Agora, onde exatamente está o limite, não sei. O que posso fazer é buscar algumas pistas para vislumbrá-lo.
O primeiro ponto diz respeito ao potencial de ofender o objeto da piada, além de outras pessoas incomodadas por solidariedade mais ou menos instável. Advogados e judeus não se sentem atingidos pela imputação de charlatanice e ganância. Todavia, brincadeiras que debocham de origens, sotaques, ocupações ou defeitos físicos/mentais podem funcionar como instrumento político, ou seja, como controle sobre grupos minoritários, ainda que isso pareça involuntário, inócuo ou absconso. Por isso é que negros fazem piadas de negros que brancos não poderiam fazer.
O tipo de humor muda de país para país e, ainda assim, de época para época. Por exemplo, alcoolismo é tido hoje como doença, não mais (ou pelo menos não apenas) como sintoma de malandragem mesmo que simpática; as caracterizações do Mussum e talvez do Charlie Chaplin são recebidas de maneira menos positiva do que antigamente. Um livro como “O cortiço”, de Aluisio de Azevedo, provavelmente seria alvo de alguma medida judicial.
Por fim, senso de humor é algo muito particular. No final das contas, a decisão é sua se a piada foi boa ou de mau gosto (até porque tais qualidades não são incompatíveis) ou se foi boa mas não engraçada, ou se não foi boa por qualquer motivo. O humorista só descobre essas coisas quando é tarde demais, ou seja, quando a piada já fugiu de seu controle.
Jornal de Brasília - 15/2/2016
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