Se você fizer uma enquete sobre o exemplo de ser humano, decerto encontrará os predicados de praxe: honesto, inteligente, trabalhador, esforçado, sóbrio, dedicado à família, leal, humilde, autêntico, afável, compassivo, dentre outros (não incluirei, de propósito, “religioso” e “estudioso”). Mas essas qualidades em si pouco ou nada significam. Elas só fazem sentido dependendo do contexto ético em que se inserem. Fora de contexto, não passam de coisas vagas, neutras ou mesmo negativas, isto é, defeitos.
É assim que devem ser compreendidos remorso e arrependimento (o primeiro é um juízo retrospectivo, vulgarmente chamado de “consciência pesada”; o segundo é isso e mais o desejo de não praticar o ato no futuro). Quando o sujeito, em uma autocrítica, condena a si mesmo à pena de remorso ou arrependimento, pode pedir desculpas à pessoa que prejudicou, e a outras mais que não foram alvo direto de sua ofensa mas que também se sentiram atingidas.
Esse pedido deve ser sincero mas, ainda que estratégico (da boca para fora), o simples fato de ser expresso revela o compartilhamento de uma mesma base moral. Agressor, ao admitir que agrediu, torna seu um valor experimentado pela vítima e por aqueles que consideram seu ato como um "erro”, o que pode variar de uma descortesia circunstancial até algo grave, que envolve uma vida ou a honra de uma família.
A pessoa incapaz de pedir desculpas por arrogância ou teimosia pode ao menos ter um vislumbre do patamar subjetivo em que se situa: “seu” erro é "um” erro, mas não em termos concretos. Já a incapacidade da vivência do perdão, como recusa irrevogável do erro em um sentido abstrato, engendra um sentimento ou uma atitude particular de justiça, e a questão de mérito fica sepultada no subterrâneo da moralidade. Quando aparece, enche e jorra.
Jornal de Brasília - 16/5/2016
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