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Leonardo Roscoe Bessa
Procurador-Geral de Justiça

A “nova ação coletiva” denomina-se Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas –  IRDR (arts. 976 a 987 do CPC). Ao contrário do que afirmam alguns autores, o novo Código de Processo Civil tratou sim de processos coletivos justamente ao instituir o IRDR e, na linha das alterações promovidas ao CPC/1973 (art. 543-C, com a redação da Lei 11.672/2008), disciplinar os Recursos Repetitivos – RR no STF e STJ (art. 1.036 a 1.041).



Os procedimentos possuem em comum a análise num único julgamento de controvérsias jurídicas que se repetem nos tribunais do país. Instaurado o IRDR, suspende-se o andamento dos processos individuais e coletivos que tramitam no Estado ou na região (art. 982). O mesmo ocorre quando há afetação de recurso para análise como repetitivo (art. 1037). A decisão proferida em ambos – tese jurídica – deve ser observada pelo Poder Judiciário nos processos individuais e coletivos que foram suspensos, bem como em todas as ações futuras.

Embora tecnicamente não se possa definir como ação coletiva, é evidente o caráter coletivo do IRDR e do RR, considerando a possibilidade de se resolver num único processo – com força vinculante – questões veiculadas em milhares ou milhões de demandas espalhadas pelo Brasil.

A proteção dos direitos coletivos – em sentido amplo – se justifica pela configuração atual da sociedade, pela massificação das relações, pela percepção de que há direitos que pertencem a toda a comunidade, pela necessidade de instituir instrumentos processuais eficazes em relação às lesões coletivas de direitos, evitando repetição de processos iguais e decisões contraditórias.

Nas últimas três décadas, é crescente a preocupação do legislador brasileiro relativa  à instituição, melhor disciplina e sistematização de meios processuais para tutela judicial e extrajudicial de direitos metaindividuais (difusos, coletivos e individuais homogêneos).

Isto se explica por vários fatores. Em síntese, a configuração processual clássica – A versus B – mostrou-se absolutamente incapaz de absorver e dar resposta satisfatória aos conflitos inerentes à massificação da sociedade. Percebeu-se, ademais, que alguns direitos transindividuais – que receberam a denominação normativa de difusos – por ausência de um titular específico, ficariam carentes de proteção jurisdicional e eficácia, se não houvesse um representante para levá-los à Justiça. “De fato, sem que houvesse o regime processual da ação coletiva, o cumprimento dos direitos difusos, em geral, de índole constitucional, ficaria relegado à implementação de políticas públicas, a cargo do Executivo e Legislativo, porque, como se trata de direitos atribuídos a uma entidade sem personalidade jurídica (comunidade), ficariam esses direitos sem apreciação por parte do Judiciário” (Márcio Mafra. Ações Coletivas, p. 74).

A solução concentrada de conflitos evita ou diminui sensivelmente decisões contraditórias e o volume de processos, possibilitando resultados mais céleres, segurança jurídica e maior eficácia à prestação jurisdicional.

No Brasil, os direitos coletivos, em sentido amplo, são divididos em difusos, coletivos (em sentido estrito) e individuais homogêneos (art. 81 da Lei 8.078/90). A tutela judicial de tais direitos se dá por intermédio da ação coletiva, também denominada ação civil pública.

Cumpre realizar distinção, para melhor compreender a disciplina do IRDR e dos RR, bem como o papel a ser exercido pela ação coletiva com o novo CPC. Tornou-se clássica a diferença realizada por Barbosa Moreira entre interesses essencialmente coletivos e acidentalmente coletivos. Pode-se afirmar, no mesmo raciocínio, a existência de direitos materialmente coletivos e direitos processualmente coletivos.

Alguns direitos, pela própria natureza, pertencem a toda sociedade: são materialmente coletivos. O melhor exemplo é o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225 da CF). Na área do consumidor, ilustre-se com direito de todos à publicidade de produtos que não veicule informações falsas ou enganosas (art. 37 do CDC). Nestes casos – direito materialmente difuso – a disciplina processual deve focar na legitimidade para ajuizamento da ação, considerando que o direito não pertence individualmente a ninguém. Afinal, pertencendo o direito a todos, a quem caberia, em caso de ofensa, buscar sua proteção no Poder Judiciário? Se o direito é de todos e materialmente indivisível, os efeitos da decisão são necessariamente erga omnes, independentemente de qualquer afirmação legal neste sentido.

De outro lado, há direitos individuais cuja ofensa ocorre, invariavelmente, de maneira massificada, gerando repetição de ações semelhantes. Os exemplos são muitos e de todos conhecidos. Cobrança indevida de tributos, reajuste indevido da prestação de planos de saúde, cláusula abusiva em modelo de contrato de adesão negativa de benefícios previdenciários. Nestes casos, a pessoa lesada pode, naturalmente, exercer o direito de ação e, individualmente, procurar proteção ao seu interesse no poder Judiciário. Todavia, por questões de economia processual, em prestigio ao princípio da isonomia e segurança jurídica, há mecanismos para discussão de tais direitos em um único processo: ação coletiva. Os legitimados para ajuizamento da demanda foram indicados no art. 82 da Lei 8.078/90 e art. 5o da Lei 7.347/85. Além da preocupação com a legitimidade, é fundamental estabelecer regras de efeitos e interação entre os processos individuais e coletivos.

Com essas brevíssimas considerações, fica claro que o IRDR e RR preocupam-se, num primeiro momento, com os direitos processualmente coletivos, a repetição de demandas, casos que afetam milhões de pessoas. Pelos critérios de segurança jurídica, isonomia, racionalidade, eficiência do serviço público devem receber tratamento uniforme, definindo teses com caráter vinculante aos processos atuais e futuros. O IRDR e RR irão suspender e depois afetar diretamente as ações individuais e coletivas que possuem o mesmo objeto.

A tendência futura, diante do quadro apresentado, é no sentido de que as questões processualmente coletivas sejam definidas – mais rapidamente e de modo diferenciado – em segundo grau e nos tribunais superiores, diminuindo consequentemente o protagonismo do juiz de primeiro grau e a importância da ação coletiva. Para tanto, o novo CPC, atento à relevância e repercussão nacional do IRDR e dos RR previu amplo debate no processo, com realização de audiência pública, presença de amicus curiae e intervenção obrigatória do Ministério Público (arts. 980, 983 e 1.038).

De outro lado, os direitos materialmente coletivos que, pela natureza, não podem ser veiculados em inúmeros processos – afastando o pressuposto da repetição – continuaram a ser veiculados e debatidos, primordialmente, em ações coletivas.

Uma proteção adequada e eficaz dos direitos coletivos – em sentido amplo – passa pela percepção do novo quadro processual desenhado pelo atual CPC e, principalmente, reestruturação dos entes legitimados para ajuizamento de ações coletivas, com destaque para o Ministério Público.

Direito e Justiça - 9/8/2016

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