Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT
Hamlet é a peça mais extensa e uma das mais importantes de Shakespeare. Ali se encontram frases célebres, como “ser ou não ser, eis a questão”, e “há mais coisas entre o céu e aterra do que sonha a tua filosofia”. Mas existe um trecho ainda mais eletrizante, uma conversa, abaixo transcrita, entre o príncipe e dois cortesãos do rei-usurpador Cláudio, Guildenstem e Rosencrantz. Este último, ao que consta, foi inspirado em um cortesão de verdade, do castelo (onde também havia algumas coisas de podre) do astrônomo Tycho Brahe. Assim como Hamlet, Tycho era dinamarquês, mas seu reino não era desse mundo, e sim de Praga, no império Austro-Húngaro. O Rosencrantz de carne e osso esteve em Londres em 1592, quando Shakespeare ali já morava, e eles devem ter se conhecido. Confiram então, na tradução de Millôr Fernandes:
Hamlet - Eu poderia viver recluso numa casca de noz e me achar o rei do espaço infinito se não tivesse maus sonhos.
Guildenstem- Sonhos que são, de fato, a ambição. A substância do ambicioso é a sombra de um sonho.Hamlet - O sonho em si mesmo é somente uma sombra.
Rosencrantz-Verdade. E a ambição, tão frágil e ligeira, apenas a sombra de uma sombra.
Hamlet-Então só nossos mendigos são corpos, e nossos assombrosos monarcas não mais que sombra deles.
E se essas sombras compartilharem a moralidade dos interlúdios do repertório pré-shakespeareano, só que de maneira mais sofisticada? Seu enredo nada tem de original; trata-se de uma lenda nórdica de séculos, que havia sido compilada em diversos países e encenada nos próprios palcos elizabetanos. Portanto, nem argumento nem a ideia de transportá-lo para o teatro foram do Bardo. Mas ele fez isso muito, muito melhor Esse é o ponto em que o gênio inglês é imbatível, Horário: pegar uma canção triste e aprimorá-la.
Jornal de Brasília - 5/9/2016
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