Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT
No artigo anterior, chamei a proclamação da República, de 1889, de “golpe”. Essa palavra está na ordem do dia e vem sendo utilizada ad nauseam. Defensores da ex-presidente Rousseff acusam os entusiastas do impeachment de “golpistas” - e o próprio vice de “conspirador” -, embora todo o procedimento sobre a matéria esteja previsto na Constituição, em lei, e no modelo de processo que tramitou na de-fenestração de um presidente em passado recente. Já a queda da Monarquia exigiu uma ordem legal inteiramente nova, pois a constituição em vigor somente se aplicava ao regime pretérito.
O acerto quanto ao uso da expressão “golpe” é menos questão de carpintaria jurídica ou truques de retórica do que de prática efetiva de cidadania. A monarquia caiu e a república subiu porque era essa a vontade real e inequívoca das pessoas, ao menos em sua maioria? É fato notório que a resposta é negativa. Um propagandista da época, Aristides Lobo, cunhou expressão que ficou famosa: o povo assistiu a tudo “bestializado”, sem saber distinguir entre o que estava acontecendo e uma simples parada militar.
A República foi proclamada por decreto, de número 1, em 15.11.1889. Veio uma constituição, também provisória e também por decreto (n° 510, de 22.6.1890), em nome do “Governo provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, constituído pelo Exército e a Armada em nome e com assenso da Nação”, considerando a “suprema urgência” de “entregar no mais breve prazo possível à Nação o governo de si mesma”. A primeira carta republicana definitiva é de 24.2.1891. A questão somente foi tratada de vez mais de um século depois, em 1993, quando a hipótese de restauração da monarquia era impossível. Era como colocar a pasta de volta no tubo - ou no dentifrício, como diria a presidente recém-impixada.
Jornal de Brasília - 31/10/2016
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