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Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT

Um dos momentos mais hilariantes da literatura brasileira é o capítulo LIV de “Dom Casmurro”. Nele, um estudante do seminário havia escrito um certo “Panegírico de Santa Mônica”, obra que fora “elogiada por algumas pessoas” e publicada, em honra de Agostinho, que era santo e filho de santa. O jovem não se ordenara. Abandonara a vida sacerdotal, casara-se e trabalhava numa repartição pública, onde se encontrou anos depois com Bentinho, o autor fictício das memórias de Machado de Assis.

Velhos conhecidos se reencontrando por acaso é sempre uma experiência ambígua, marcada pela nostalgia do passado mas também com associação de lembranças menos que agradáveis, como bullying (pró e/ou contra), vexames, traumas em geral. Às vezes não lembramos que não gostamos de alguém ou redimensionamos uma afeição nunca consolidada ou perdida. Às vezes nos recordamos de alguém por uma única frase ou palavra, boa ou má, um boato. Definir com precisão “conhecido”, “colega”, “amigo”, “amigo íntimo”, “ex amigo”, “inimigo” e “inimigo capital” não é tarefa das mais fáceis.

No caso de Bentinho e colega, vários episódios prazenteiros vieram à tona, e eles riram juntos, com “poder de felicidade”. O amigo então indagou, com “uns olhos murchos e teimosos”, se Bentinho conservara o seu Panegírico. Ele não só não o tinha feito, como não sabia do que se tratava. O amigo prometeu-lhe um exemplar, que entregou em sua casa no dia seguinte. Bentinho folheou e fingiu se recordar, sim, sim, perfeitamente. Mas tentou desconversar, perorando sobre “a lei da vida”, ou seja, a dialética entre as épocas idas e as atuais etc. etc. O amigo ouviu em silêncio essas reflexões e afinal suspirou: “tem agradado muito este meu Panegírico!” Esse é o pior escritor: o que se acha bom e, ao mesmo tempo, mendiga leitores. 

Jornal de Brasília - 7/11/2016

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