Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT

Tentação perigosa é acreditar que os outros prestam atenção em você, observam o que você faz. Escreve? As pessoas querem ler. Canta? Ah, vão ouvir, talvez paguem caro por isso. Largou o emprego? Logo vai chover proposta, uma melhor do que a outra. Você importa. É alguém.

Mas muitos gênios experimentaram mediocridades, ilusões e fiascos. Kepler teve problemas financeiros a vida toda. Shakespeare escreveu, sob encomenda, poemas de amor para jovens efeminados e casadoiros. Nelson Rodrigues viajou mais de mil km, de carro, para a noite de autógrafos de um livro que estava lançando, e não apareceu ninguém. Mas o exemplo mais superlativo é o de Van Gogh, pintor imensamente reconhecido, que chegou a ter quadros vendidos por 66 (L´Alée des Alyscamps) e 82 milhões de dólares (The portrait of Dr. Gachet) – mas décadas depois de morto. Em vida, não vendeu nenhum. Ou melhor, só um (O vinhedo encarnado), por 400 francos, o que equivale hoje a uns 1000 dólares, com a ajuda de seu sempiterno e suspeito (no bom sentido) irmão Theodore.

Pode-se dizer que Vincent foi um fracassado. Foi despedido da empresa em que trabalhava, a Casa Goupil, de Paris. Quis ser pastor, como o pai, mas não tinha preparo nem oratória. Começou faculdade e abandonou. No amor, a sorte não foi melhor, pois se apaixonou e foi rejeitado por uma prima e por uma inglesa chamada Ursula. Chegou a viver como mendigo dormindo ao léu, só; as pessoas se sentiam assustadas por ele. Adoentado mentalmente, jogou um copo na cara do amigo Gauguin e cortou uma orelha (que embalou e entregou a uma mulher). Vincent escreveu que sua receita contra o suicídio havia sido prescrita por Dickens: “vinho, pão, queijo e tabaco”. Pois não adiantou nada: ele se matou, com um disparo no coração, que se alojou na virilha, aos 37 anos.

Jornal de Brasília - 14/11/2016

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