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Leonardo Roscoe Bessa
Procurador-geral de Justiça 

Leonardo Henrique D'Andrada Roscoe Bessa
Acadêmico em Direito

O ordenamento jurídico brasileiro confere destaque diferenciado ao direito à educação, incluído aí o direito à creche. Inúmeros diplomas infraconstitucionais (Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei de Diretrizes e Bases da Educação – Lei 9.394/96) reforçam a Constituição Federal que declara ser a educação “direito de todos e dever do Estado” (art. 205), ressalta a “absoluta prioridade” em atender os direitos sociais das crianças (art. 227) e estabelece que a educação será efetivada mediante “educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade” (art. 208, inciso IV).

O legislador foi contundente ao explicitar o dever do Estado em oferecer creche. Todavia, o mundo real distancia-se da promessa normativa de tão relevante política pública. O que se vê, na prática, é a falta de vagas para todas as crianças interessadas. Como o número de creches é inferior ao necessário para atender à demanda, a formação de listas de espera é inevitável (filas).

A questão que se coloca é a seguinte: o Poder Judiciário pode, em ação individual, obrigar o Estado a prover creche para os autores da ação, ainda que isto implique desrespeito à ordem da lista de espera?

O tema tem gerado divergência no âmbito do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT. De um lado, afirma-se esta possibilidade: “A existência de fila de espera e a resultante manutenção de crianças fora da instituição de ensino de forma gratuita e acessível é fruto da ineficiência e descaso da Administração e não pode ser alegada para impedir o acesso delas à educação.” (20150110728575APC, Rel.: Romeu Gonzaga Neiva, 4ª Turma Cível, j. 21/09/2016).

Em sentido oposto, destaque-se, apenas como ilustração, acordão relatado por Héctor Valverde Santana: “A matrícula de criança em creche pública deve observar a lista de espera, em respeito ao princípio da isonomia. A lista de espera é elaborada por profissionais da área, considerando critérios de risco pessoal, social, nutricional, com prioridade para crianças de família com menor renda e filhos de mães trabalhadoras.(20150110871166APC, 5ª Turma Cível, J. 21/09/2016).”

O debate, para sintetizar, refere-se às possibilidades e limites da interferência do Poder Judiciário no controle de políticas públicas. Não se coloca em dúvida que todos os três Poderes participam, em graus diversos, na indução e elaboração de políticas públicas. Cabe perceber, entretanto, que a atuação do Poder Judiciário, na garantia de direito individual, pode gerar a própria negação do direito que se pretende resguardar em perspectiva coletiva.

A propósito, ensina Luciano Coelho Ávila “O exame de casos sobre ações individuais pleiteando a satisfação de direitos sociais indicará que, atrelados a um modelo tradicional e obsoleto de solução interindividual de conflitos regulado pelas leis e procedimentos em vigor, os juízes ainda tendem a considera-los erroneamente, apenas como direitos individuais puros, desconsiderando os impactos deletérios de suas decisões individualistas no plano da coletividade como um todo” (Políticas Públicas de Prestação Social. Belo Horizonte: D’Plácido, 2016, p. 189-190).

O Poder Executivo, como gestor de recursos escassos, estabelece diretrizes e critérios objetivos para acesso às creches públicas, quais sejam: a) baixa renda: com prioridade para a criança cuja família participa de algum programa de assistência social; b) medida protetiva: criança em situação de vulnerabilidade social; c) risco nutricional: criança desnutrida; d) mãe trabalhadora. A concessão de pleitos individuais acaba por desconsiderar tais critérios, ofende o princípio da isonomia e fomenta um crescente aumento de demandas particulares, com beneficio apenas àqueles que tiveram condições de acessar à Justiça. Em face de uma constante – e cada vez maior – insuficiência de recursos financeiros para atender às múltiplas demandas sociais, a atuação do Poder Judiciário deve ser cautelosa e sempre considerar a complexidade inerente aos diversos ciclos político-administrativos da elaboração e execução das políticas públicas.A presente discussão, ao contrário do que tem ocorrido nas Cortes Superiores (STF e STJ), não se dá no âmbito de ação civil pública quando a perspectiva de análise do direito à educação é meta individual. No processo coletivo, a afirmação do direito à creche, a necessidade de estabelecer critérios para matrícula ou mesmo o pedido no sentido de construir estabelecimentos de ensino não significa priorizar algumas crianças em detrimento de outras, preservando-se a isonomia.

Conclui-se, portanto, pela impossibilidade de o Poder Judiciário deferir pleitos individuais para acesso à creche que, reitere-se, acaba por afetar injustamente os critérios estabelecidos para definição da lista de espera, em evidente prejuízo a outras crianças.

Correio Braziliense - 28/11/2016

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