Luciana Asper
Promotora de Justiça do MPDFT
Todas as decisões são movidas por uma ponderação de incentivos e desincentivos. Assim, para responder a pergunta do título, qualquer um se faz outra pergunta; quem pode ser beneficiado por um vazamento de colaboração premiada importante para a Lava-Jato? O Ministério Público? Vamos aos fatos:
1. O Ministério Público Federal tem um número restrito de colegas trabalhando na Operação Lava-Jato, já que todos os outros jurisdicionados também precisam de sua atuação e os prazos dos outros 528 mil processos judiciais e extrajudiciais que por lá tramitam continuam correndo normalmente;
2. Há uma dedicação árdua de muitos meses de negociação para se fechar os termos de uma colaboração premiada que exige, necessariamente, um saldo positivo para a sociedade, o reconhecimento de culpa, o ressarcimento do dano e a entrega de fatos e provas novas;
3. São centenas de investigados procurando celebrar o acordo, e, em 100% dos casos, são os advogados que procuram o Ministério Público para este fim;
4. Quando se consegue fechar o termo, dali saem importantes linhas de investigação: quem serão os próximos investigados, quais serão as próximas buscas e apreensões, escutas, outras medidas cautelares e diversas diligências que, para terem algum resultado efetivo, dependem do sigilo. Uma vez vazadas as informações, essas estratégias de investigação caem por terra porque os investigados vão destruir ou ocultar indícios e provas.
Poderíamos enxergar incentivos para que o Ministério Público colocasse todo seu tempo, trabalho, investimento e linha de investigação no lixo? Qual seria a vantagem de destruir o caminho necessário para a responsabilização dos culpados e recuperação do dinheiro? A vantagem compensaria a desvantagem?
Outra hipótese seria um vazamento por qualquer um que insista em encontrar uma terceira via para a Lava-Jato? É que hoje os envolvidos na Lava-Jato vislumbram em regra apenas duas opções e não são poucos os insatisfeitos com isso:
1) submeter-se ao curso normal do processo, correr o risco de uma condenação confirmada pelo Tribunal Regional Federal (o que não deve demorar muito), devolver o dinheiro identificado como desviado e suportar anos e anos de cadeia; ou
2) apresentar-se como colaborador com informações que elucidem ainda mais os crimes de corrupção, devolver 100% do dinheiro roubado e ainda assim ir pra a cadeia, mesmo que por um tempo menor. É. Um tempo de cadeia ainda faz parte dos termos negociados na colaboração premiada.
Para quem estava acostumado com a certeza da impunidade, nenhuma destas duas opções parece muito interessante. O que fazer, então? O vazamento pode surgir como uma alternativa para aqueles que estão buscando, com muita criatividade, uma terceira via: a tão almejada impunidade. Assim, pelo menos hipoteticamente, um importante investigado poderia ter a ideia de se apresentar como um “colaborador”, mas já com a prévia intenção de vazar o seu conteúdo; ou poderia, ainda, acontecer de um bem-intencionado colaborador, após fechar todos os seus termos, arrepender-se de sua decisão, seja por alguma ameaça que sofreu em relação a si próprio ou a sua família, seja por algum outro motivo. Este, não querendo assumir as consequências da “desistência” dos termos do contrato de colaboração, pode achar o vazamento uma boa opção, pois raríssima a hipótese de ser pego.
Vazar os termos de colaborações importantes (sim, só essas vazam) para grandes veículos da imprensa, imputar aos investigadores os vazamentos, com isso tentar plantar dúvidas na sociedade e, aí — quem sabe? — minar o imenso apoio popular e a credibilidade da força tarefa da Lava-Jato, pode parecer um caminho a trilhar a sonhada impunidade. Começariam por criar - um espaço de menos resistência para mudanças legislativas ou anulações judiciais. Surgiriam teses para alteração da lei de colaboração premiada, para que seus vazamentos fossem causa de anulação da colaboração, comparada à “prova ilícita”, o que implicaria necessariamente no fim deste valioso instrumento, uma vez que bastaria qualquer acusado vazar, no momento oportuno, a sua própria colaboração para conseguir a desejada anulação do seu próprio processo.
Surgiriam também iniciativas para aprovação de leis de “abuso de autoridade” que poderiam inviabilizar a continuidade dos trabalhos de investigação, imputando “práticas impróprias” agora aos investigadores e, então, começarem a surgir as tão almejadas anulações pontuais das investigações ou condenações na Justiça, renascendo o que já parecia uma opção distante: a impunidade. Estaria tudo resolvido. Não haveria que se devolver dinheiro algum, quanto mais ir para a cadeia. Como sempre foi essa a regra das ilustres operações contra os crimes de colarinho branco pré-Lava-Jato, difícil o desapego desse caminho.
Essa foi a estratégia italiana em face das Mãos Limpas e aqui parece haver aqueles que querem seguir esses passos: que sejamos um país ainda mais corrupto do que antes. Devem mirar o título de mais corrupto de todos os países. É que ainda estamos só na quarta posição. O que parece um truque de mestre para uns, pode ser subestimar a inteligência para outros. Nas suas rodas de conversa, perguntem: “A quem interessa vazar as colaborações premiadas?”. Deixe que cada um tire suas próprias conclusões.
Correio Braziliense- 17/12/2016
O MPDFT informa que todos os textos disponibilizados nesse espaço são autorais e foram publicados em jornais e revistas. Eles são a livre manifestação de pensamento de seus autores e não refletem, necessariamente, o posicionamento da Instituição.