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Raoni Parreira Maciel
Promotor de Justiça do MPDFT

Recentemente, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública apontou o número de 61.619 mortes violentas ocorridas no Brasil em 2016. Trouxe-nos números de calamidade pública, de guerra civil declarada. Indicam o grau de violência e explicam a sensação de insegurança que a sociedade brasileira experimenta atualmente. Eu vou discutir o papel do sistema de justiça criminal dentro desse contexto.

Após a investigação policial determinar o responsável por um homicídio, entra em cena este aparato jurídico-institucional, cuja função é garantir ampla defesa ao acusado antes de lhe aplicar a pena pelo fato criminoso. O sistema de justiça criminal é orientado para o julgamento de cada caso individualmente. O promotor de justiça, assim como o advogado ou defensor público, e o juiz presidente do Tribunal do Júri atuam com os olhos e a alma voltados para o caso concreto, individualíssimo, que lhes é colocado sob julgamento a cada dia. Isso não pode e não deve mudar. Porém, não impede, ou não deveria impedir, que as instituições elejam prioridades.

Para além das (importantes) discussões teóricas acerca da função da pena, há algum consenso sobre o papel da impunidade nas taxas de homicídio absurdas que vivemos no Brasil. O dia a dia da profissão me permite dizer, com alguma segurança, que o crime contra a vida possui uma característica marcante: poucas pessoas de uma comunidade são responsáveis por muitos dos homicídios que acontecem ali. Algumas vezes, um homicídio gera uma sequência de atentados, de lado a lado, sob o pretexto de buscar justiça com as próprias mãos. A impunidade de um homicídio traz descrédito ao Poder Judiciário junto à sociedade e uma sensação de desamparo para o cidadão de bem, ao tempo em que o indivíduo envolvido em práticas criminosas se sente poderoso e passa a agir de forma destemida. Tudo isso somado cria um círculo vicioso que torna muito difícil conseguir a colaboração das testemunhas, porque temem represálias e desacreditam o poder do Estado impor a lei.

Ou seja, a solução final do processo-crime é extremamente relevante dentro desse contexto. Punir os culpados e absolver os inocentes significa reafirmar a validade da lei que teve sua vigência questionada no seio da comunidade onde ocorreu o crime contra a vida. A resposta estatal, quando temporânea, possui o condão de frear o aumento dos índices de homicídios e até diminuí-los, no médio prazo. A demora na prestação jurisdicional, ao contrário, é fator de alimentação e retroalimentação da violência.

O crime contra a vida é processado perante o Tribunal do Júri, que por disposição constitucional possui competência para julgá-lo. Disso decorre a adoção de um procedimento específico, previsto no Código de Processo Penal, em duas fases. Em um primeiro momento, são produzidas provas diante de um juiz singular togado, de modo análogo ao que ocorre com os crimes comuns. Contudo, ao final dessa primeira fase, o juiz produz uma decisão interlocutória que em regra não decide o mérito, mas apenas admite, se for o caso, que o réu seja submetido ao Tribunal do Júri. Após a preclusão dessa decisão é que acontece a segunda fase, consubstanciada na sessão solene de julgamento. Admitida a acusação em um juízo técnico, e confirmada essa decisão pelo Tribunal de Apelação, só então é que tem lugar, efetivamente, o Tribunal do Júri. Os jurados leigos, pessoas do povo com reputação ilibada, são chamados a compor o Conselho de Sentença para firmar um veredito de mérito sobre a culpa do acusado e seus termos. Esse julgamento é feito fundamentalmente na forma de debates orais entre acusação e defesa. O papel do juiz togado é apenas garantir o cumprimento do rito e fixar a pena ao final. Cada um dos sete jurados que compõe o conselho de sentença é o grande protagonista desse ato judicial.

Esse procedimento especial exige um investimento de energia por parte das instituições envolvidas no julgamento do crime contra a vida. Os atores do sistema de justiça criminal saem de sua zona de conforto e por isso é corriqueiro que o julgamento dos crimes contra a vida seja postergado onde não há vara especializada do Tribunal do Júri. O Distrito Federal talvez não sofra tanto com isso, mas se trata de uma realidade importante no resto do Brasil, especialmente fora das capitais e grandes cidades. É por isso que o CNJ Conselho Nacional de Justiça (CNJ) instituiu novembro como 'o mês do júri'. Uma tentativa de minorar esse problema. Penso, porém, que é preciso ir além. Ministério Público, Defensoria Pública, Ordem dos Advogados do Brasil e o Poder Judiciário precisam eleger, como prioridade, o julgamento dos crimes contra a vida. O número de mortes violentas que aumenta ano a ano está a apontar essa necessidade imperiosa.

Eleger o crime contra a vida a prioridade do sistema de justiça criminal significa identificar em cada unidade da federação, em cada comarca ou circunscrição judiciária, qual ou quais são os gargalos que têm impedido um julgamento adequadamente célere dos homicídios. Precisamos fazer um diagnóstico concreto dos nossos desafios, e enfrentá-los. Para isso, é imprescindível o envolvimento de todas as instituições que compõe sistema de justiça criminal num esforço contínuo e concertado.

A entrega de justiça perpassa o drama humano de cada homicídio, e se constitui em um primeiro passo para a redução do número absurdo de mortes violentas que experimentamos em nosso país.

Correio Braziliense - 27/11/2017

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