Uma das obrigações constitucionais do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) é a defesa do patrimônio público e social do DF. Para evitar que o dinheiro público seja gasto de forma ilegal, o MPDFT mantém em sua estrutura seis Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Público e Social (Prodeps). Em sua história, inúmeros foram os processos ajuizados contra as irregularidades provocadas por agentes públicos e terceiros nos últimos anos. Algumas já foram julgadas, outras não.
Levantamento feito pelo Núcleo de Análise e Distribuição de Feitos da Prodep mostra que, dos processos ajuizados entre janeiro de 2002 e junho deste ano, 354 ações ainda aguardam decisão da Justiça. Essas ações envolvem a quantia de R$ 6.657.006.280,80 (seis bilhões, seiscentos cinquenta e sete milhões, seis mil, duzentos e oitenta reais e oitenta centavos).
A maioria dessas ações trata de contratos irregulares firmados pela Administração Direta e Indireta do GDF (secretarias, autarquias, empresas públicas), cujas licitações apresentavam graves irregularidades. Regra geral, o valor do pedido formulado pelas Prodeps em cada processo baseia-se na quantia que seria paga pelo governo caso a licitação do serviço ou do bem tivesse sido concluída pela empresa contratada.
Os Promotores de Justiça valem-se de três instrumentos jurídicos para coibir e corrigir condutas que atentem contra a administração pública. São eles: Ação Civil Pública, Ação Civil por Ato de Improbidade Administrativa e Ação Penal Pública. Essa última trata de um instrumento para punir uma conduta tipificada como crime e, portanto, passível de prisão. (Saiba mais abaixo no “Entenda”).
Veja abaixo a tabela com o número de processos em andamento até junho de 2012 e o valor deles por ano.
Fonte: Núcleo de Análise e Distribuição de Feitos da Prodep – setor responsável pelo controle do andamento, prazos e quantitativo de todas as ações das Prodeps.
CASOS IMPORTANTES
VLT – Apesar de o valor total ultrapassar a marca dos R$ 6 bilhões, dois processos correspondem a pelo menos metade dessa quantia. Ambos referem-se ao contrato firmado pelo Metrô-DF para a construção do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) na cidade. A primeira ação, de R$ 1,5 bilhão, foi ajuizada em 2009. A segunda, também de R$ 1,5 bi, no ano seguinte.
Na ação, o MPDFT indicou que houve um conluio entre empresas para frustrar a concorrência. Em dezembro do ano passado, os Desembargadores do TJDFT ratificaram as suspeitas do MPDFT e confirmaram a sentença que anulou o contrato. A ação da Prodep fez com que as obras fossem suspensas, evitando-se, assim, que mais de um bilhão de reais fosse gasto de forma contrária à Lei.
Serviço público – A situação do funcionalismo público no DF motivou pelo menos 22 ações civis públicas, nos últimos anos. A Constituição Federal diz que a forma de ingresso no corpo de funcionários do Estado para cargo em comissão será sempre para o desempenho de “atribuições de direção, chefia e assessoramento”. No entanto, no DF, esse princípio não vinha sendo seguido. As repartições contavam com quantidade pequena de concursados, enquanto grande número de servidores eram comissionados sem nenhum vínculo e, geralmente, sem nenhuma relação de confiança com o chefe da repartição.
Os danos causados por essa inversão resultam em uma insegurança jurídica e administrativa, além do aparelhamento do Estado com recursos humanos de modo ilegal – pela via do apadrinhamento – e com enormes riscos de ineficiência e amadorismo. Diversas ações foram sentenciadas em favor do MPDFT, mas aguardam recurso.
ICS – Um caso emblemático, cuja investigação pela Prodep levou 2 anos e 6 meses, envolveu o Instituto Candango de Solidariedade (ICS). A atuação do Instituto revelou a burla à exigência de processo licitatório e a contratação de funcionários sem concurso público.
O pleno funcionamento do ICS se deu entre 1998 e 2006. Durante esse período, as transferências do DF para ele superaram os R$ 2 bilhões. Em função disso, para coibir essas irregularidades, os Promotores de Justiça da Prodep solicitaram auxílio aos Promotores de Justiça do Núcleo de Combate às Organizações Criminosas (NCOC). Nesse trabalho, diversas ações civis públicas, de improbidade administrativa e ações penais contra servidores públicos e terceiros foram ajuizadas.
As investigações tiveram êxito porque o MP trabalhou com uma visão estratégica para desvendar a sistemática da operação comercial do ICS. O resultado desse processo foi a diminuição vertiginosa do repasse de dinheiro público nos anos seguintes às investigações: em 2005, foram transferidos R$ 525,3 milhões; no ano seguinte, quando foi realizada a primeira grande operação do MPDFT (Operação Candango), o valor caiu para R$ 414,5 milhões. Em 2007, o valor repassado foi de apenas R$ 23,9 milhões e zerado no ano seguinte. Naquele ano, 2008, foi deflagrada a Operação Megabyte e, pouco tempo depois, a Operação Terabyte, focadas nas empresas que prestavam serviço de informática para o DF. Ambas as operações foram coordenadas pelos Promotores de Justiça que passaram a ajuizar ações específicas para interromper a propagação dos ilícitos nos contratos de informática.
Feira dos Importados – O local de funcionamento da Feira dos Importados também foi objeto de ações civis públicas e de improbidade administrativa. A Feira funciona em um terreno pertencente à Companhia de Abastecimento do Distrito Federal (Ceasa-DF). A licitação para a venda do terreno, realizada em 2008, foi concluída em 2010 com a compra do espaço pela Cooperativa da Feira dos Importados (Cooperfim).
No entanto, o DF não poderia vender o terreno, pois ele pertencia à Ceasa. Além de não ser o dono do terreno, o DF modificou o edital de licitação, alterando o valor de caução de 5% para 1% do valor pedido na concorrência. Alterar o edital sem que seja dado ciência aos concorrentes é ilegal.
Para o Ministério Público, a licitação deve ser desfeita. Em 2010, o MPDFT entrou com um pedido de antecipação de tutela no TJDFT. No entanto, o pedido não foi analisado pela Justiça.
Orquestra Sinfônica – O MPDFT cobra o ressarcimento ao erário na área da cultura: há uma ação de improbidade contra a Associação Amigos Pró-Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Cláudio Santoro e o ex-secretário de Estado de Cultura. A Promotoria pede a devolução de R$ 6 milhões, valor que ainda deve receber a devida atualização monetária. O convênio realizado entre o DF e a associação nos anos de 2007 a 2009 não comprovava a inviabilidade de competição, a justificativa da escolha da entidade conveniada e do preço, entre outras irregularidades.
Duas agravantes se somam ao descumprimento da Lei de Licitações e Contratos: a primeira é que as ilegalidades foram previamente apontadas pela Procuradoria-Geral do Distrito Federal, órgão consultivo jurídico do DF; a segunda é que o ex-Secretário de Cultura era integrante do Conselho Deliberativo da Pró-Orquestra desde a fundação da associação.
ENTENDA
Ação Civil Pública (ACP) – Tem por objetivo defender o meio ambiente, o consumidor, o patrimônio público, os bens e direitos de valor artístico, estético, histórico e turístico, de qualquer infração à ordem econômica e à economia popular, ou à ordem urbanística. A ACP pode ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer. É um instrumento para a defesa de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. A ação civil pública não pode ser utilizada para a defesa de direitos e interesses puramente privados e disponíveis.
Ação de Improbidade Administrativa – ação que objetiva proteger o erário e o patrimônio público, responsabilizando agentes públicos e particulares contratados pela Administração Pública que tenham praticado intencionalmente atos ilegais.
Ação Penal Pública – A Ação Penal Pública é privativa do Ministério Público e objetiva punir as pessoas que tenham praticado atos previstos como crimes, independentemente da iniciativa da vítima.