Sobre a Proposta de Emenda Constitucional nº 37 (PEC 37), conhecida como PEC da Impunidade, que pretende tirar o poder de investigação criminal do Ministério Público, alterando a Constituição Federal, as Promotorias de Execução Penal e Medidas Socioeducativas do Distrito Federal manifestam-se contrariamente à sua aprovação pelo Plenário da Câmara dos Deputados e vêm a público esclarecer:
- As atribuições do Ministério Público, previstas na Constituição Federal brasileira de 1988 e nas Leis Orgânicas Estaduais e Federal, estão primordialmente relacionadas à proteção dos direitos humanos.
- A Carta Magna prescreve, em seu artigo 127 §1º, que "São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional [sem grifo no original]." A par disso, os membros do Ministério Público não estão subordinados hierarquicamente entre si ou ao Procurador-Geral de Justiça, gozando de independência no exercício das funções.
- A Constituição brasileira dispõe também que "ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional e administrativa..." (art. 127, §2º). Tais condições outorgadas ao Ministério Público resguardam-lhe a autonomia de qualquer outro Poder, necessária para a atuação funcional dos seus membros.
- Como órgão do Estado (não do governo), zela por interesses indisponíveis ou de larga abrangência social.
- A Constituição Federal Brasileira, em seu artigo 129, incisos I, VI e VIII, e a Lei Complementar nº 75/93, ditam as atribuições do Ministério Publico, conferindo-lhe os poderes e prerrogativas institucionais necessários à sua atuação, de onde decorrem inúmeras atribuições e, dentre elas, a função de investigação criminal, que está harmonizada, sobremaneira, com as prerrogativas constitucionais a ele previstas: "defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis" (artigo 127, caput, da Magna Carta).
- As atribuições do Ministério Público adequam-se às determinações do artigo 2º — 1, da Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes (Decreto 40, de 15.2.91):"Cada Estado-Parte tomará medidas eficazes de caráter legislativo, administrativo, judicial ou de outra natureza, a fim de impedir a prática de atos de tortura em qualquer território sob sua jurisdição". E assim é, porque a fiscalização do cumprimento dos tratados e convenções (em que o Brasil seja signatário), normas constitucionais brasileiras e legislações internas de Direitos Humanos incumbe diretamente ao Ministério Público, pois a este cabe impulsionar o Poder Judiciário para a salvaguarda do Estado Democrático de Direito.
- Por outro lado, as polícias estão diretamente vinculadas ao Poder Executivo, o que pode dificultar a atuação "imparcial" na atividade de investigação criminal quando envolver a prática de crimes praticados por agentes de segurança pública;
- A minimização da impunidade da prática da tortura dar-se-á efetivamente com a manutenção do controle externo da atividade policial e, inclusive, com a condução da investigação pelo Ministério Público, órgão este independente e imparcial e garantidor do respeito ao princípio da primazia dos Direitos Humanos, em consonância direta com os artigos 12 e 13, da Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes: "Cada Estado-Parte assegurará que suas autoridades competentes procederão imediatamente a uma investigação imparcial [sem grifo no original] sempre que houver motivos razoáveis para crer que um ato de tortura tenha sido cometido em qualquer território sob sua jurisdição; Cada Estado-Parte assegurará a qualquer pessoa que alegue ter sido submetida a tortura em qualquer território sob sua jurisdição o direito de apresentar queixa perante as autoridades competentes do referido Estado, que procederão imediatamente e com imparcialidade [sem grifo no original] ao exame de seu caso."
- As Promotorias de Execução são responsáveis pela fiscalização dos Estabelecimentos Prisionais e das Unidades de Internação, bem como pela apuração dos indícios de prática de atos ilícitos cometidos por agentes penitenciários e demais integrantes da segurança pública e agentes de reintegração social contra os detentos e internos, respectivamente.
- As Promotorias de Execução reconhecem como um dos entraves na apuração da tortura e maus-tratos a inoperância da polícia em apurar crimes dessa natureza praticados contra as pessoas privadas de liberdade, por estarem, tanto os investigados quanto os investigadores, submetidos ao Poder Executivo, e, muitas vezes, integrando inclusive a mesma esfera administrativa.
- A atuação da polícia pode se revelar insuficiente ao interesse público, em razão dos riscos de se ter a investigação contaminada pela 'parcialidade' e sentimento de "corporativismo" quando envolver crimes praticados por policiais civis, autoridades policiais, praças e oficiais militares;
- Impedir o Ministério Público de investigar diretamente eventuais práticas de tortura e abusos de poder ocorridos nos estabelecimentos penais e de internação no Brasil é aceitar a absoluta impunidade de graves crimes contra direitos humanos, posicionando-se na contramão da luta pela efetivação dos mecanismos de proteção aos direitos humanos no Brasil.
- A PEC 37 desrespeita o Tratado de Roma e a Convenção de Palermo, que atribuem ao Ministério Público expressamente a investigação de crimes contra os direitos humanos, crimes de guerra, dentre outros, que foram recepcionados pela Constituição Federal, expondo o Brasil a constrangimento perante a comunidade internacional.
- Ao se atribuir a exclusividade da investigação às polícias, inviabiliza o Ministério Público de exercer o mister constitucional da defesa dos direitos individuais indisponíveis e combater eventuais atos de corporativismo e a parcialidade na investigação dos referidos crimes.
- O caminho para minimizar a impunidade está no reconhecimento incondicional da atribuição do Ministério Público de oferecer peças acusatórias, com base nos elementos informativos por ele colhidos, de forma imparcial, em procedimentos administrativos internos.
PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE MEDIDA SOCIOEDUCATIVA
PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE EXECUÇÃO PENAL