“O adhan. O mantra. O toque de tambor. O soar dos sinos. O coro melódico. A ladainha. O kadish. Esses são alguns exemplos dos sons da diversidade religiosa em nosso País e todas estão asseguradas pela Constituição”, assim o vice-procurador-geral de Justiça do DF em exercício, Jair Meurer Ribeiro, deu as boas-vindas aos mais de cem participantes do seminário “Liberdade Religiosa e Estado Laico”. O evento ocorre, nesta terça-feira, dia 24, no auditório do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT).
Para o organizador, o coordenador do Núcleo de Direitos Humanos do MPDFT, Thiago Pierobom, o Ministério Público tem o dever de defender o direito à liberdade religiosa, que não tem sido assegurado para todas as religiões e credos. “A intolerância é um câncer que mina as manifestações religiosas, inicialmente as minoritárias, mas que alcança a todos. A ideia é plantar a semente dos direitos fundamentais. A tolerância é um primeiro passo, mas é necessário avançar para o pleno respeito de todas as manifestações religiosas”, enfatizou.
O procurador federal dos Direitos do Cidadão adjunto, Luciano Mariz Maia, lembrou que a regra de ouro de todas as religiões é não fazer com o outro o que não queremos que façam conosco. “Ao longo da história, a religião foi usada para justificar a opressão. Precisamos entender que no Estado laico não há espaço para isso. Não são os deuses que estão em briga, são os homens”, reforçou.
O representante da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Nacional do MP (CNMP), Luciano Ávila, ressaltou que o órgão tem discutido o tema em profundidade para orientar a atuação do Ministério Público brasileiro. “Devemos encontrar a plena compatibilização da liberdade religiosa com a neutralidade da intervenção estatal, imprescindível para que o pluralismo seja pleno”, completou.
Liberdade religiosa nos meios de comunicação
A primeira discussão do seminário tratou da liberdade religiosa nos meios de comunicação e internet. Participaram da mesa os presidentes da Associação Nacional de Teólogos Afrocentrados de Matriz Africana, Afro-Umbadista e Indígena (Atrai), Jairo Pereira de Jesus; da Federação Nacional de Igrejas Cristãs, Renato Andrade dos Santos; e o representante do Intervozes, Gésio Passos.
O bispo Renato dos Santos ressaltou que apesar da liberdade de manifestação religiosa nos meios de comunicação, as denominações com mais dinheiro se utilizam de canais de rádio e televisão, que são concessões públicas, para atacar as demais. Para ele, o Estado deveria intervir. “Muitos interpretam o Estado laico como Estado sem religião, mas isso está equivocado. Ele não é restritivo, mas permissivo. O sistema adotado não é a negação, mas a aceitação sem imposição”, completou. Outro aspecto importante reforçado foi o fato de as religiões não possuírem meios de comunicação, mas sim as empresas ligadas a elas.
“ A Constituição garante a liberdade de expressão, religiosa e política. O problema é que o acesso aos meios de comunicação está mais ligado ao poderio econômico do que com a fé professada. Usa quem paga. O nosso País é formado por várias matizes, que devem ser respeitadas. Essa liberdade é o que nós defendemos. Todos são iguais não só perante a lei, mas perante Deus”, completou o bispo.
O representante do Intervozes, Gésio Passos, denunciou a ilegalidade das concessões de rádio e TVs para proselitismo religioso. “Uma concessão pública não deve ser utilizada para vincular conteúdo religioso”, enfatizou. Ele lembrou que a religião cristã tem quase hegemonia nos veículos. “Isso afeta aqueles que professam outra fé ou até aqueles que não professam nada”, completou. Segundo ele, dados do Censo demostram que o Brasil conta com mais de 140 credos.
Passos lembrou que o único meio de respeitar a Constituição é impedir que as religiões majoritárias tenham acesso irrestrito aos meios de comunicação. Ele trouxe dados da Agência Nacional de Cinema (Ancine) que demonstram que a religião é o principal gênero de programação da TV aberta brasileira, com 13,55%, a frente de variedades, telejornais e televenda.
O presidente da Atrai, Jairo Pereira de Jesus, lembrou que ainda em 1989 entregou à Procuradoria-Geral da República (PGR) um dossiê chamado “A Guerra Santa Fabricada”, uma análise sociológica da intolerância religiosa. “Não dá para não responsabilizar o Estado, que é omisso. Em particular, com os povos de origens africanas”, ressaltou.
Segundo ele, o Estado possui relações com a religião, principalmente no conluio eleitoral. Ele lembra que quando os políticos procuram as religiões cristãs não há problema. Entretanto, quando buscam as de matrizes africanas, fazem às escondidas. “A verdade é que os meios de comunicação estão alimentando, cotidianamente, uma 'afroteofobia'”.
Jairo de Jesus conta que o 'povo de santo' tem de se esconder. Tem procurado se tornar invisível nos espaços públicos para não sofrer violência. Ele disse, ainda, que recentemente foi vítima de violência dentro de um ônibus por estar com um colar de contas. “O Estado precisa ser responsabilizado pelo conluio ao privatizar essas concessões públicas e permitir que elas promovam vilipêndios, violência simbólica e toda ordem de violência contra os negros”, finalizou.