O ensino religioso nas escolas públicas, a intolerância religiosa e a liberdade de manifestação foram os temas debatidos na segunda parte do seminário “Liberdade Religiosa e Estado Laico”. O evento ocorreu nesta terça-feira, dia 24, no auditório do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) e foi organizado pela Coordenação dos Núcleos de Direito Humanos da Instituição, pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadãos e pela Escola Superior do MPU.
O coordenador dos Núcleos, promotor de Justiça Thiago Pierobom, enfatizou que o tema deve ser enfrentado com mais seriedade. “Existe uma violência institucionalizada e o Estado tem sido conivente. Comunidades religiosas minoritárias têm sido massacradas. Basta disso! O MP luta para que todos possam professar a sua fé”, enfatizou.
Ensino religioso e Estado laico
A segunda rodada de debates discutiu a questão do ensino religioso nas escolas públicas do País. Para a assessora da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) Anízia Figueiredo, o ensino religioso é uma disciplina como qualquer outra da área de conhecimento. Trabalha as diferenças, a acolhida do outro, independente de religião.
“A criança precisa aprender a conviver com os demais, descobrir os seus propósitos e ideais. Religioso é distinto de religião, mas hoje a disciplina está numa situação desconfortável, mais por questões políticas do que religiosas”, disse Anízia.
Já o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Luiz Antônio Coelho defende um outro ponto de vista. Para ele, o ensino religioso só pode ser confessional e, sendo assim, é proselitista. “Por que chegou, exatamente, para as crianças do ensino fundamental? Porque elas não têm condições de resistência. Devia ser abordada numa questão mais humana e menos espiritual. Devia ser o ensino de valores republicanos”.
A representante da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (Dhesca-Brasil), Denise Soares, defendeu o fim do ensino religioso nas escolas públicas. Para ela, os recursos destinados a essa disciplina deveriam ser investidos na implementação de educação em direitos humanos.
“A pluriconfessionalidade não é uma opção para o ensino religioso, que carrega a hegemonia da matriz cristã. Nós acreditamos que o estudo dos direitos humanos cumpriria o papel de sedimentar valores. Ensino religioso deve ser desenvolvido na família, no campo do privado”, completou Denise. A Dhesca defende a construção de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que revogue o ensino religioso das escolas, defina os limites negativos das manifestações religiosas e elimine todos os símbolos e práticas religiosas do ambiente escolar.
Intolerância religiosa e liberdade de manifestação
A última mesa do seminário debateu a intolerância religiosa e a liberdade de manifestação. Participaram da discussão o representante da Convenção Batista Brasileira, pastor Josué Mello Salgado; o doutor em Antropologia Ordep José Serra; o presidente da Associação Nacional de Teólogos Afrocentrados (Atrai), Jairo Pereira de Jesus; e a representante da Agência de Fiscalização do DF (Agefis), Juliane Berber.
O pastor Josué Salgado relembrou que um dos princípios batista é a separação radical entre a igreja e o Estado. “Queremos igrejas livres em sociedades livres”, enfatizou. Ao citar nomes que escreveram a história da denominação, ele lembrou uma frase que resume bem o pensamento dos batistas brasileiros: “Não admiramos a mera tolerância. Insistimos na liberdade de crença. Morreremos para que o outro tenha a oportunidade de anunciar as suas crenças religiosas, ainda que dela discordemos”.
Em mais uma demonstração de tolerância, o pastor Josué Salgado entregou à biblioteca do MPDFT a sua tese de doutorado, na qual estudou a rota para uma teologia afrobrasileira. O trabalho dialoga com vários segmentos cristãos e afrobrasileiros. “É possível sim um diálogo frutífero e tolerante. A liberdade de expressão e manifestação não é uma concessão, mas a essência do Estado Democrático”, completou.
O antropólogo Ordep José Serra citou vários exemplos de que o Estado laico está apenas no papel: o acordo assinado entre o Brasil e a Santa Sé, em 2008, que privilegia a religião católica; a imposição do ensino religioso nas escolas públicas; e a tolerância com a discriminação de cultos de matriz africana. Sobre esse último caso, ele afirmou que o Estado brasileiro tem agido criminosamente.
Ele citou a invasão de terreiros e a destruição de objetos de culto por policiais militares em Salvador/BA. Inclusive, lembrou um caso de uma yalorixá que foi presa, teve o seu rosto esfregado num formigueiro e foi colocada numa cela cheia de homens, com as mãos algemadas na grade. Questionados, eles disseram que não houve intolerância religiosa porque a mulher foi presa fora do templo. “Se nós temos um racismo tão arraigado no Brasil é porque o Estado não o combate, mas o fomenta”, acrescentou.
A representante da Agefis, Juliana Berber, lembrou que o órgão precisa afinar o diálogo com a comunidade. Ela esclareceu que a agência fiscaliza a licença de funcionamento dos estabelecimentos para garantir a integridade física dos frequentadores. Relatados alguns casos de abuso, ela pediu desculpas pela instituição e se colocou à disposição para analisar cada processo.
Sobre a violência contra os que professam a crença de matriz africana, o presidente da Atrai, Jairo de Jesus, disse que não dá para ficar calado. “A nossa indignação é ancestralística. O sangue derramado desse povo está em nossa terra”, enfatizou. Ele alertou sobre o recrudescimento da violência por parte dos evangélicos. Ele afirmou, ainda, que nos morros cariocas, os pais de santo têm sido eliminados com tiros na cabeça pelos traficantes ligados a igrejas evangélicas. “O meu corpo não está domesticado à violência”, completou.
Leia mais