Por: Marina Gabriely e Sara Meneses
Sob supervisão de Isa Stacciarini e Luiz Claudio Ferreira
Uniformizados e atentos a cada detalhe, dos argumentos da promotoria à versão da defesa. Desde 2013, os julgamentos no Distrito Federal têm um público muito especial: alunos de escolas públicas a partir dos 15 anos. Adolescentes que veem diante de si histórias de crimes dolosos contra a vida. Esse é o cerne do projeto “Tribunal do Júri: uma lição de vida”, de iniciativa do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT), com a parceria do Tribunal de Justiça do DF (TJDFT) e da Secretaria de Educação. A reportagem acompanhou com 80 estudantes de Taguatinga o julgamento de um homicídio que envolveu pessoas em situação de rua no Fórum da cidade.
Para o promotor de Justiça Bernardo de Urbano Resende, esse é o momento em que os jovens têm a oportunidade de se conscientizar sobre os próprios atos. “O projeto oferece a oportunidade de os jovens escolherem os caminhos corretos por meio do exemplo. Muitas vezes, a vida te impõe e te leva a caminhos ruins. Você tem de tomar uma posição diante daquilo que quer para sua vida e quais são os seus valores”, ressaltou.
Além de levar os estudantes para dentro do Tribunal do Júri, o promotor também ministra palestras em escolas sobre oportunidades e escolhas. Na visão do promotor de Justiça, a adolescência é o momento em que a criminalidade pode florescer. “Não existe ação sem reação e essa resposta acontece dentro do Tribunal do Júri, muitas vezes com uma condenação de pena alta. Eles podem refletir sobre isso”, destacou.
Durante o julgamento o promotor deixou um recado aos jovens e uma lição sobre assumir a responsabilidade de suas atitudes. “Vocês tendem a achar que o que se faz hoje sumirá amanhã. Mas, na vida, não é assim que as coisas funcionam. O amanhã chega e você tem de arcar com as consequências dos seus atos”, pontuou.
Crime e problemas sociais
Os estudantes acompanharam o julgamento de Alisson Estevan da Conceição, desempregado e em situação de rua. Ele foi condenado a 15 anos de reclusão, em regime inicialmente fechado, pelo homicídio qualificado por motivo fútil de Cícero Welder Timóteo, que também era morador de rua. O crime ocorreu em 2010. Alisson foi julgado pela primeira vez em 2013, mas foi absolvido.
O Ministério Público recorreu da sentença e conseguiu anular o julgamento. Em 17 de maio, o réu encarou novamente o Tribunal do Júri. A defesa sustentou a tese de legítima defesa, mas os jurados entenderam que Alisson era culpado.
Reflexão
Segundo o GDF, pelo menos três mil pessoas estão em situação de rua na capital e sobrevivem na informalidade. Sem emprego nem oportunidades de estudo, eles enfrentam um cenário de violência, riscos à saúde e alimentação precária. A iniciativa do MPDFT, segundo as palavras dos alunos que concordaram em conversar com a reportagem, fez com que eles ampliassem o olhar sobre a dificuldade em que vivem essas pessoas e também sobre a consequência de atos violentos.
As alunas Rafaela* e Raiane* assistiram ao julgamento. Na visão de Rafaela, a situação dessas pessoas é de permanente exposição a riscos. “A maioria não tem condição de se sustentar, por exemplo. O preço do consumo de água, luz, comida, os impostos, em geral é absurdo aqui no Distrito Federal. Ultimamente tudo está muito caro e acaba sendo difícil viver com condições decentes, o que deveria ser o direito de qualquer cidadão”, contou.
Para elas, presenciar um julgamento foi um aprendizado. “Foi interessante e agrega muito ver pessoas com outra realidade de vida. Afinal, nunca tivemos um contato tão direto com alguém nessas condições”, ressaltou Raiane. Para Rafaela, assistir ao julgamento foi uma oportunidade de refletir sobre outras pessoas com condições diferentes. “Mesmo sendo uma situação triste, essa é uma condição muito mais comum do que imaginamos. Às vezes, as pessoas não estão preparadas para o perdão. E, por causa disso, acabam cometendo os mesmos erros, como o acusado que voltou às práticas criminosas”, enfatizou*.
Os alunos João* e Ellena* concordam em relação às condições degradantes em que vivem os moradores de rua. “Se nós que temos casa já sofremos algum tipo de risco, imagine para os moradores de rua. Na nossa sociedade todos estão em perigo ou passam por alguma situação de ameaça. E esse medo e preocupação é intensificado e constante para as pessoas que vivem nas ruas”, pontuou Ellena.
*Nomes fictícios
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