Rumo ao Planalto Central
Por Mônica Silva
No Brasil do fim dos anos 1950, mais da metade da população vivia no campo. As distâncias eram maiores e as comunicações, mais difíceis. A televisão ainda era uma novidade e havia, em média, apenas um telefone para cada 70 habitantes. Foi este Brasil que, com três milhões de votos, levou Juscelino Kubitschek de Oliveira à Presidência da República. No programa de governo, o impensável: mudar a capital do país para o Planalto Central.
A transferência já estava prevista desde a Constituição de 1891, que dizia, em seu artigo 3º: "Fica pertencendo à União, no planalto central da República, uma zona de 14.400 quilômetros quadrados, que será oportunamente demarcada para nela estabeIecer-se a futura Capital federal".
A demarcação aconteceu já no ano seguinte, mas, a partir daí, a proposta foi deixada de lado para ser retomada apenas na campanha presidencial de 1955. Conta-se que, em um comício na cidade goiana de Jataí, o candidato Juscelino Kubitschek foi questionado sobre sua intenção de cumprir a Constituição e mudar a capital. A resposta afirmativa levou o projeto a ser incluído em seu programa de governo e a ser chamado "Meta-síntese".
Eleito Juscelino, começaram os trabalhos para a transferência da capital. O jornalista Carlos Chagas, que na época era repórter do diário O Globo, presenciou o descrédito dos brasileiros diante da novidade: "As pessoas achavam que era um delírio. Todo mundo adorava o Rio!". No entanto, quando as obras começaram, surgiu a inquietação: "será que a mudança vai mesmo acontecer?", recorda-se.
Apesar de toda a reação, em 1959, a mudança para Brasília já parecia irreversível: a cidade estava realmente sendo construída. "O presidente vinha pessoalmente fiscalizar as obras. Às vezes, saía do Rio de madrugada e voltava à tarde", recorda-se Carlos Chagas. Os setores contrários à mudança, no entanto, ainda não haviam sido convencidos. Em 13 de janeiro daquele ano, o jornal carioca Correio da Manhã inicia assim uma notícia sobre a transferência de servidores para a nova capital: "No mês de junho, o governo pretende desterrar 3.868 funcionários públicos para Brasília. Quem será atingido pela má sorte?", questionava o inconformado periódico.
Palácio da Justiça - Rua Dom Manuel - Rio de Janeiro
Foto: Museu da Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Enquanto isso, na Rua Dom Manuel...
Os planos de mudança da capital federal causavam agitação em todo o serviço público do Rio de Janeiro. Na Procuradoria-Geral de Justiça do Distrito Federal não foi diferente. Era necessário encontrar promotores de Justiça dispostos a deixar a vida e o conforto do Rio de Janeiro para começar o Ministério Público em Brasília.
No início de 1960, o promotor Áttila Sayol de Sá Peixoto já estava decidido a aceitar o desafio. Havia oito vagas em Brasília e ele procurava colegas que quisessem acompanhá-lo. "Foi ele quem me convidou", recorda-se o procurador de Justiça aposentado Gilvan Correia de Queiroz. A ideia era formar uma equipe com promotores de carreira, já experientes, que pudessem fazer frente à tarefa.
Diante da proposta, Gilvan não pensou muito. A perspectiva da mudança lhe pareceu animadora, ainda que a cidade fosse nova e não tivesse muito a oferecer. "Se é ruim, um dia vai melhorar", avaliou. Foi assim que ele decidiu se transferir para Brasília e se tornar um dos pioneiros do Ministério Público que ali se instalaria. Além de Áttila e Gilvan, José Júlio Guimarães e Milton Sebastião Barbosa fizeram parte desse primeiro grupo de promotores.
O espaço destinado ao Ministério Público ficava no 6º andar do bloco O da Esplanada dos Ministérios. "Faltava pessoal, material de escritório, espaço", recorda-se Gilvan. Era um Ministério Público muito diferente do atual: um departamento do Ministério da Justiça, ligado ao Tribunal. Não havia sede, nem promotores nas cidades, nem quadro de servidores próprios.
As conquistas obtidas nestes 50 anos mudaram o perfil da instituição. Gilvan recorda-se das lutas empreendidas em nome de várias delas: a lei da Ação Civil Pública, a independência funcional, a autonomia e as diversas garantias constitucionais de 1988. "Deixamos de ser uma repartição burocrática e passamos a representar a sociedade", avalia.
E nos próximos 50 anos? "Precisamos ampliar e reforçar o que já foi conseguido. A grandeza da instituição é o mais importante", acredita o veterano.
Inauguração da sede do Ministério Público, no edifício do Instituto Nacional de Previdência Social-INPS, 1968. Em pé, da esquerda para a direita: Dr. Dário Délio Cardoso; Dr. José Júlio Guimarães Lima; Dr. Walter Ceneviva; e
Dr. Milton Sebastião Cesar.
Membros do MPDFT: da esquerda para a direita (na primeira fila), José Lourençode Araújo Mourão, Washington Bolívar de Brito, Alfredo Buzaid, Hélio Fonseca e Lincoln Magalhães Rocha; na segunda fila, José Dilermando Meireles, Dario Cardoso, José Júlio, Antônio Honório Pires Oliveira Júnior, Hilda Vieira da Costa e Orlandino Batista de Freitas - 1970
Membros do MPDFT – Marluce Aparecida Barbosa Lima, Jarbas Fidelis, Lincoln Magalhães Rocha e
Carlos Augusto Machado de Faria - 1970.
Fontes
Bibliografia:
- Revista do Projeto Memória, Ano II, nº 3 – Junho de 2010, Ministério Público do Distrito Federal e Territórios
Fotografia:
- José Evaldo Gomes Vilela
Documentação:
- Arquivo Público do Distrito Federal (ArPDF)
- Museu da Justiça do Estado do Rio de Janeiro
- Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios