RE 229760 / DF - DISTRITO FEDERAL
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. CARLOS BRITTO
Julgamento: 10/12/2009
Publicação
DJe-028 DIVULG 12/02/2010 PUBLIC 17/02/2010Partes
RECTE.(S) : MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
RECDO.(A/S) : DISTRITO FEDERAL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO DISTRITO FEDERAL
DECISÃO: Vistos, etc.
Trata-se de recurso extraordinário, interposto com fundamento na alínea "a" do inciso III do art. 102 da Constituição Republicana, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Acórdão assim ementado (fls. 114):
"AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REGRAS PROGRAMÁTICAS.
Os preceitos constitucionais que contém definição de tarefas a serem cumpridas pelo Estado ou determinações de seu fim, são normas programáticas. Estas geram situações subjetivas negativas para o legislador e a Administração, que não podem desenvolver suas atividades senão nos limites estabelecidos no programa, mas não conferem direito subjetivo no seu aspecto positivo."
2. Pois bem, a parte recorrente alega violação ao inciso IV do art. 208 da Magna Carta de 1988.
3. A seu turno, a Procuradoria-Geral da República, em parecer da lavra do Subprocurador-Geral Roberto Monteiro Gurgel Santos, opina pelo conhecimento e provimento do apelo extremo.
4. Tenho que a insurgência merece acolhida. É que o aresto impugnado destoa da jurisprudência desta nossa Corte, que me parece juridicamente correta. Jurisprudência no sentido de considerar como norma de eficácia plena o mencionado inciso IV do art. 208 do Magno Texto. Leia-se, a propósito, a ementa do RE 410.715-AgR, sob a relatoria do ministro Celso de Mello:
"RECURSO EXTRAORDINÁRIO - CRIANÇA DE ATÉ SEIS ANOS DE IDADE - ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA. EDUCAÇÃO INFANTIL. DIREITO ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208, IV). COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO. DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO (CF, ART. 211, § 2º). RECURSO IMPROVIDO.
- A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV).
- Essa prerrogativa jurídica, em conseqüência, impõe, ao Estado, por efeito da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das ‘crianças de zero a seis anos de idade' (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal.
- A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental.
- Os Municípios - que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, § 2º) - não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator de limitação da discricionariedade político-administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do atendimento das crianças em creche (CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social.
- Embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão - por importar em descumprimento dos encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório - mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. A questão pertinente à ‘reserva do possível'. Doutrina."
5. Vejam-se, ainda, o AI 592.075-AgR, sob a relatoria do ministro Ricardo Lewandowski; bem como os REs 463.210-AgR, sob a relatoria do ministro Carlos Velloso; 401.673-AgR e 411.518-AgR, sob a relatoria do ministro Marco Aurélio; 594.018, sob a relatoria do ministro Eros Grau; 592.937-AgR, sob a relatoria do ministro Cezar Peluso; 554.075-AgR, sob a relatoria da ministra Cármen Lúcia; e 410.715-AgR e 436.996-AgR, sob a relatoria do ministro Celso de Mello.
Isso posto, e frente § 1º-A do art. 557 do CPC, dou provimento ao recurso extraordinário.
Publique-se.
Brasília, 10 de dezembro de 2009.
Ministro CARLOS AYRES BRITTO
Relator